quarta-feira, 6 de abril de 2011

Amor nos tempos do Ford

Sonhei com um povo diferente. Não sei bem quem, nem o que era. Lembro que me referia a eles como povos marcianos.
Achei curiosa a forma como interagiam. Cheguei a sentir um pingo de inveja do desprendimento que tinham nos encontros, com aquele ar leve,  um olhar longe, mistura de ternura e desprezo. Ao conhecer outros marcianos, nesse mesmo sonho, percebi que isso era  uma característica comum a todos eles. Seria isso natural como olhos, boca, nariz e orelhas? Não. Não. Definitivamente não poderia afirmar isso, mesmo que eles agissem de formas bem parecidas. Também não poderia dizer que eles combinavam isso uns com os outros. Como poderiam, se muitos nem se conheciam? De onde viria então esse olhar, essa postura, essa fala e esse comportamento tão semelhantes? Esse lugar  era repleto deles. Tomavam conta de quase tudo. Era como se eu passasse o sonho inteiro inquieta com essa sensação.

Certas horas me pegava sendo envolvida por um encontro penetrante. Falas e gestos direcionados para um objetivo. E muitas vezes isso aconteceu. Entre os encontros,  um grande vazio. Um silêncio. As vezes, em encontros quase telepáticos, onde não nos víamos e não poderíamos nos tocar,  eles mudavam. Ali poderiam ser tudo. Era o mundo da fala onde tudo poderia ser criado.


 De repente, senti algo me puxar para o lado. O corpo  foi todo arrastado. Quando olho para trás, uma fila era arrastada junto comigo. Não me assustei. Parecia tudo muito organizado. Tudo esperado. Era só ficar parada que aquela esteira nos levaria para frente. E a cada movimentação, um novo marciano aparecia. O mesmo olhar, sorriso, conversa, os mesmos músculos, os mesmos objetivos. Trocávamos algumas palavras, éramos puxadas novamente e, quando via,  já tinha outro marciano. E tudo novamente.

Não sabia como sair dali. Olhava em volta e estavam todos seguindo aquele mesmo ritual, quando vi alguém descer. Repeti seus movimentos, encontrei uma bicicleta e saí. Pedalei em alta velocidade. Ventava.  De repente, não consegui mais passar. Uma marcha atravessava a rua. Querendo rapidamente sair dali, eu pensava: “marchem, marcianos”, enquanto eles desfilavam com seus olhares altivos e um sorriso de superioridade pelo caminho. Sigam, copiem seus pares. E assim, ridiculamente marchavam. E assim foi. Aquele espetáculo de corpos, gestos e músculos. Passaram.
O silêncio tomou conta do lugar. Continuei. Pedalava, não sabia para onde. Quando vi, estava no chão. Havia caído. Bati num grupo de gente que seguia a marcha dos marcianos. Um pouco tonta da queda, olho para o alto e vejo frases escritas por todos os cantos. Consegui me lembrar de uma: “ Nação marciana, o sistema já se encarrega da nossa exploração. Aqui, só com respeito”. Realismo na veia.

 Isso não foi o suficiente para melhorar o meu humor de bicicleta quebrada e arranhões pelo corpo. Até que passa um homem com um chapéu bizarro com dois chifres pregados. Andava feliz e contente pela rua. Gargalhei.

E acordei. Senti aliviada por ter saído daquele  mundo estranho. A superficialidade dos gestos incomodava. A utilidade dos encontros  intrigava. A futilidade daquelas conversas afastava. Desci para trabalhar. E lá estava o cornudo. Ri muito.

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