Cuba e a repórter da Folha: quem afunda?
Reproduzo artigo enviado pelo professor Gilson Caroni:Alaine Gonzáles e Reinel Herrera são trabalhadores autônomos cubanos. Ambos foram escolhidos pela jornalista Flávia Marreiro, enviada especial da Folha de São Paulo a Havana, como personagens errantes de uma economia em frangalhos. Seguindo um padrão de cobertura vigente há 50 anos, a repórter elabora um texto com pouca informação e direcionamento enviesado, não somente sobre o país, no sentido político e econômico, mas principalmente sobre o povo, sua história, sua cultura e seus hábitos.
A enorme propaganda orquestrada contra o regime cubano acabou por criar, como subproduto previsto e planejado, uma imagem distorcida sobre os habitantes da Ilha, apresentados ora como guerrilheiros ferozes, desconhecedores de fronteiras, ora como prisioneiros, tristes e infelizes, de uma ditadura. É compreensível o sucesso desse tipo de campanha, quando se avalia o poder da rede de comunicação capitalista.
É natural que o jornalismo nativo não possa perceber a dinâmica que se apresenta aos seus olhos. Se Flávia Marreiro conseguisse se desvencilhar da viseira ideológica, talvez conseguisse enxergar os personagens com outras roupagens e expectativas. Alaine e Reinel, como o restante do povo cubano, têm consciência das suas dificuldades. Por outro lado, crêem na revolução porque sabem que são participantes ativos de um processo tão rico quanto denso. Não se sentem impotentes diante dos problemas: reclamam e atuam dentro de uma estrutura política que lhes permite, independentemente do poder econômico ou dos conchavos políticos, resolver problemas que os afligem.
Como cidadão esclarecido, bem informado e politizado, o cubano é o verdadeiro crítico do regime. Critica e aponta saídas. Trabalha e, quando a nação necessita da sua presença, lá está ele, pronto para defender sua revolução com o seu próprio sangue. Aqueles que não quiseram trabalhar pela coletividade ou que sequer queriam trabalhar se foram pelo Porto Mariel, iludidos pela falsa propaganda que vinha dos Estados Unidos, onde pensavam encontrar dinheiro fácil. Flávia chegou tarde, com uma pauta envelhecida.
Nem Alaine, nem Reinel Herrera viveram os problemas da etapa anterior a 1959, quando o desemprego era superior a 16,4% e o subemprego estava em torno de 34,8%. Eles já vieram ao mundo num país de - praticamente - pleno emprego. Também não conviveram com as taxas de analfabetismo de 23,6%, nem com o sistema escolar que, de 100 crianças matriculadas nas escolas públicas, deixava 64 no meio do caminho, sem terminarem o 6º ano. Hoje, apesar de todos os problemas, a taxa de analfabetismo não chega a 3% e não existem crianças em idade escolar sem colégio.
Com uma assistência médica nacionalizada, nenhum dos dois conheceu o pais que concentrava 65% da população nas áreas urbanas, que tinha 70% da indústria farmacêutica controlados por empresas estrangeiras, em que a expectativa de vida era de 62 anos e a mortalidade infantil de 40 por mil nascidos vivos. Já a mortalidade materna era de 118,2 por 10 mil nascidos. Esses dados, por certo, não estão no departamento de pesquisa dos jornais dos Frias, Marinhos e Mesquitas. Flávia, a nossa brava repórter, talvez não disponha de outras informações que lhe seriam de extrema utilidade na cobertura da reunião do Partido Comunista Cubano.
Antes da revolução, menos de 2.500 proprietários possuíam 45% das terras do país e 8% das fazendas concentravam 71% da área disponível. Até 1959, somente 11,2% dos trabalhadores agrícolas tomavam leite, 4% comiam carne,1% consumia peixe. Na Cuba de Alaine e Herrera, o consumo de leite e carne é superior a todos os outros países do continente. Se nos anos 1980, quando os dois entrevistados nasceram, a implementação do processo revolucionário continuava, foi a década de 1960 que abriu caminho ao desenvolvimento econômico e, sobretudo aquela em que se resistiu às agressões armadas, bombardeios e à tentativa de invasão norte-americana que definiu o caráter socialista da revolução.
Todo o conjunto de medidas políticas e econômicas custou a Cuba o bloqueio econômico e diplomático imposto pelos Estados Unidos. A situação voltaria a se agravar após o fim da URSS e do bloco socialista, mas o colapso tão esperado pelo Império e seus sócios não veio.
O sistema econômico procurou proporcionar o desenvolvimento e o crescimento do país de uma forma igualitária. Ernesto Che Guevara, quando ministro da Indústria, ilustrou bem qual a diferença entre sistema econômico e desenvolvimento. Para ele, um anão enorme com tórax enchido é subdesenvolvido, porque seus curtos braços e débeis pernas não se articulam com o resto de sua anatomia. É produto de um desenvolvimento teratológico que distorceu suas formações sociais. A descrição sobre o restante da América Latina não podia ser mais precisa.
Se, de fato, o Partido decidir demitir 500 mil funcionários, enxugar o Estado e aumentar a produtividade, como relata a grande imprensa, a anatomia cubana não permite vislumbrar um mergulho na lógica fria dos ditames do mercado. A perspectiva que só a história dá, para avaliar em toda a sua dimensão, os erros e acertos, o processo que implantou, pela primeira vez, o socialismo na região, mostra um organismo social saudável, preparado para mudanças necessárias.
O célebre "mudamos ou afundamos" atribuído a Raul Castro não é, como supõe a matéria da Folha, a expressão dramática de uma situação. As crises permanentes que a revolução atravessou, impostas para fazê-la fracassar, fizeram com que a retificação de rumos e a concepção de novas idéias se tornassem elementos constitutivos da nação caribenha. Flávia Marreiro pode ter uma certeza: Cuba não afundará.
http://altamiroborges.blogspot.com/2011/04/cuba-e-reporter-da-folha-quem-afunda.html?spref=tw
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Cuba se transforma. Como sempre. Característica de uma sociedade que passou por uma Revolução e que a torna permanente. Como eles farão isso, eles ainda não sabem. Estão pensado, atuando, debatendo. Se o debate é feito da forma que "gostaríamos"(e quem somos nós?), enquando nações ocidentais "democráticas", realmente, não tirei conclusões tão definidas. Vi bastante espaço para debates em uma rápida visita aquela ilha, ouvi muito sobre política, principalmente nas gerações mais antigas, mas ouvi também bastante sobre uma censura. Diferente das notíticas que chegam aqui, bem menos do que retratam no PIG. Me chamou atenção os grupos de hip-hop. Conhecemos pessoas envolvidas no movimento hip-hop e eles disseram que só um grupo, que eu não consigo lembrar o nome agora, fala mal do governo. Todos os outros não. Mas falei sobre política livremente com todos. É um tema que me interessa e fiz questão de perguntar. E geralmente a conversa era longa. Gostavam, assim como eu, do tema.
Conversei com bastante gente preocupada com a manutenção do regime, mas em outros termos. Não sabiam como. Mencionavam a China e o Vietnam, mas não sabiam bem o que aconteceria dali para frente. Isso foi no início de 2010. O bom do debate lá é agora, abril. Foi o que me disseram. Fui em janeiro, alta temporada. Turistas por todos os lados. Em abril, as reuniões acontecem por todos os cantos. Grande parte da população participa do processo político. São organizados por quadras. Cada quadra tem seu Comitê de defesa da Revolução.
Acabo de ver que Fidel renunciou da sua posição no Partido Comunista. Raúl discursou sobre as novas mudanças.
Uma nova Cuba virá. Uma nova Cuba já estava em curso e todos sabiam que algo aconteceria. Debatiam. Opinavam. As conquistas sociais são claras, mas os nós estavam lá. E o apelo ao consumo. Algumas coisas precisavam de mudanças. A questão do abastecimento de comida, o consumo e os salários, a censura, o acesso a tecnologia. O bloqueio.
Ainda acho que Cuba que conheci não foi só um produto da Revolução de 1959. Outras mobilizações aconteceram antes de 1959. 1959 não aconteceu do nada. Era uma sociedade no poder em 1959. É uma sociedade que se orgulha de 1959. É uma sociedade que precisa manter 1959 em 2011, com todas as transformações do mundo e da sua própria sociedade.
Que a ideia de Fidel e seu povo fique, mesmo que ele se vá.
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