Lena chega, olha em volta e reconhece o entorno. É uma grande cidade como tantas outras, como a de onde veio. Ruas, árvores, carros, pessoas andam por todos os lados. A hora! Era hora de encontrar quem ela realmente tinha vindo ver. Até lá, esperava pacientemente pela amiga e admirava o vai e vem das coisas. Na televisão do saguão a imagem de um homem que chegaria naquele dia. Ela sentia um clima de expectativa no ar. Todos comentando. Era uma das figuras públicas mais importantes da época. Alguns falavam da festa que fariam em sua homenagem e da insatisfação com o cancelamento do seu ato público. Uns mais preocupados com o fim da festa, outros com os motivos pelos quais ele estaria pisando nesse solo.
Era realmente um lugar espetacular. Nesse aparente caos as peças se encaixavam, uma a uma, numa lógica sem sentido. O que movia toda aquela gente, naquele lugar, naquela hora? Por que tanta agitação desse lado tão sem graça da cidade? Deve ser trabalho. Mundo movido pelo trabalho. Isso também se parecia com o lugar de onde vinha. O dia estava lindo, outras coisas bem mais legais poderiam ser feitas, mas todos corriam de um lado para o outro, a trabalho, ou buscando um. “Então ele não vai mais?” escuto, ao fundo, enquanto o outro responde: “ pelo jeito não. Vai fazer num local fechado. Deve estar com medo de manifestações.” “ Mas vão falar o que do cara?” “O, meu chapa, não é só o cara em si, mas tudo que ele manteve e o que ele representa. Ele manteve o que sempre se fez. Apoio a ditaduras, intervenções militares desnecessárias, preocupação com o petróleo, com o lucro. Por que você acha que ele vem para cá?” “Olha, ta na hora do hino. Que emoção! E olha a roupa deles...É, claro, tem o petróleo. E o Brasil está com tudo com o pré-sal, não é mesmo? E o que foi que aconteceu na embaixada, mesmo? Ouvi que umas pessoas foram presas.” Naquele momento chega sua amiga. Com um abraço forte elas se encontram e somem entre a multidão barulhenta da cidade.
“ Vamos comer? Estão todos te esperando lá em casa!” E como refrescou. A casa, cheia, comemorava um aniversário embalada a muito samba. O clima do carnaval ainda estava no ar, como ela explicou. O que seria esse clima de carnaval, ainda não entendia. Só via que todos cantavam, conversam e se distraiam. Muitas mulheres na cozinha, servindo os convidados. O papo era o mesmo da sua chegada. Falavam sobre as mudanças no Oriente Médio, outros sobre as férias. E os olhares. Por todos os lados, olhares. Com o anoitecer, foi inevitável a dança. E as conversas mudavam de caráter.
“Você já viu a lua?” Lena, meio desorientada, olha para o céu e vê aquele espetáculo lindo. “Nossa!” Sem perceber, continuaram a conversa por horas. Tudo interessava aos dois. Os acontecimentos políticos mais recentes, o lugar onde estavam, a música, a vida. Depois de um tempo, se separaram. A música estava ótima e isso não foi problema algum. Logo já estava de papo com umas amigas. Tinha curiosidade de saber mais sobre o lugar. Como conseguiam viver com tantas diferenças sociais? Que naturalidade era essa de saber que alguns tem muito mais que a maioria e que o que importava mesmo era fazer parte do alguns, e não estender essa condição social e de poder a todos? Como poderiam fazer isso? Quem se interessava por isso? Ali, apesar dos comentários solidários, pouco era feito para que isso acontecesse. Soavam como frases feitas, para liberar a consciência do papel e da força de cada um na mudança. Ficou intrigada com o fato e foi interrompida com um “ Não é, Lena?” “Desculpa, estava distraída. Do que mesmo estão falando?” “ Eita, como você está aérea. Pensando na dança, né?” “Quem? Ah, claro. É, ele é interessante. Mas não, estava viajando em outras coisas. Quem é ele, afinal?” “Ele é uma gracinha. E está soltinho por aí. Aproveite!” “ Hum.. sei. Na realidade, sei não. Isso não me agrada muito. Já conversamos, foi bacana. Acho que ele está jogando o mesmo papo para aquela menina ali do lado.” “Pode ter certeza, Lena!” “ Pô, que cara maneiro! Só que eu passo”. “ Que exagero, Lena. Ele é muito bacana. Senti uma ironia no seu comentário” “ São outros padrões. Sei lá. Vamos dançar?”
Em casa, ficou intrigada com as diferenças entre lugares. Como se organizam, como vivem, como se relacionam. Algumas coisas marcaram com enorme carinho e outras como grandes contradições. Voltou. Atravessando a cidade no caminho para casa, ultrapassando o forte esquema de segurança imperial para o pronunciamento da tal figura internacional, acompanhando as passeatas que insistem em mostrar as divergências de opiniões entre o Estado e o povo, sentindo uma aparente tranqüilidade no ambiente devido ao acordo com os poderes territoriais locais, se despede da amiga. “Obrigada. Foram ótimos momentos, mas é hora de voltar”. Nos olhares que se cruzaram e os sorrisos que saíram, a certeza da troca, em meio a tantas ilusões, distorções, opiniões, dúvidas. Aquilo era real. Nem tudo se desmancha no ar.
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