quarta-feira, 30 de março de 2011

Momento Fricção – Encontro de classe


Trabalhar no Estado é assim.
É ouvir que antes era melhor.
 Que seu trabalho era mais valorizado.
Tem dias que você chega e logo recebe uma notícia estranha, como hoje, que correu um boato, antigo até, de que o tempo de trabalho dos professores aumentaria, pelo mesmo salário.
Nesse mesmo Estado você vê pessoas se indignando e pessoas conformando.
Alunos interessados, outros cansados e alguns nem ligando.
Mas é sempre uma surpresa. No Estado é assim.

Talvez por isso essa instituição ainda sobreviva, apesar de tantos esforços dos sucessivos governos em acabar com ela.
Tem aulas que você ensina.
Em muitas outras, se surpreende, aprende e deixa rolar.
Aprende.
No Estado é assim, um mundo a sua frente.
 Educação popular.

Educação pública, gratuita e de qualidade.
 No Estado é assim.
 O público e o de qualidade têm significados diversos, opostos, divergentes.
Respeito aos saberes, politização, números, propaganda, gastos.
No Estado é assim.

 Espaço de troca. De respeito, de anarquia, de democracia e contradição.
Cada dia um aprendizado.
 Cada dia uma luta. Deles. Nosso. Da gente.
De refletir sobre as relações, conteúdos, ações.
Professores com péssimas condições de trabalho. Alunos também.
Um encontro de pessoas com péssimas condições de trabalho.
Trabalhadores. Encontro de classe.

Tem dias que  a aula é deles. Eles dão aula.
Verdadeiro seminário sobre a vida. De ontem, hoje e provavelmente do amanhã.
 No Estado é assim.
 Faz tudo mudar.
 Mas nada muda.

Escolas estaduais e municipais vão parar no dia 31 de março - dia estadual de luta terá passeata no Centro do Rio de Janeiro

domingo, 27 de março de 2011

Pau e Circo: Copa, Olimpíadas, Movimentos Sociais e Cidade de Exceção

Guilherme Marques “Soninho” (doutorando do IPPUR/UFRJ)


Megaeventos como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos estão associados, hoje em dia, à execução de grandes projetos de intervenção urbana. A organização desses grandes eventos passa a fazer parte de um tipo de modelo de planejamento urbano, o “empresariamento urbano”. Intervenções pontuais, capazes de estimular uma renovação urbana e o aburguesamento em diferentes áreas de cidade, são parte fundamental da estratégia do empresariamento urbano. Essas áreas da cidade, valorizadas por obras de infra-estrutura e pela proximidade de equipamentos esportivos, para atrair investimentos e novos negócios, tornam-se palco de despejos e remoções dos moradores pobres, de rua e de habitações irregulares, da repressão aos trabalhadores de rua, ambulantes etc. A cidade também precisa ser livre de conflitos e, para tanto, a repressão policial objetiva intimidar e impedir as manifestações dos críticos e atingidos pelas mudanças.
 Copa, Olimpíadas e o Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, os efeitos desse modelo já podem ser percebidos. Todos os projetos de intervenção urbana são voltados para os megaeventos esportivos. Afinal, serão alguns dias de grande divulgação da imagem da cidade, e a propaganda é a alma do negócio. O que está sendo negociado, porém, é bem concreto: são os terrenos públicos e privados que poderiam ser usados para habitação popular. Estão sendo negociadas isenções de impostos para os investimentos do capital, enquanto faltam recursos para saúde e educação. Estão sendo negociados novas leis e parâmetros urbanísticos que atendam às grandes cadeias internacionais de hotéis, e que garantam também que os pobres serão removidos para bem longe. Estão sendo negociados mais uma reforma do Maracanã, outra do Sambódromo, além da construção, com dinheiro público, de vilas olímpicas para atletas, árbitros, mídia etc, de forma que as construtoras recebam todos os benefícios, aluguem esses quartos para o poder público antes e durante os eventos, e depois os vendam para os ricos e especuladores. Planejamento? Apenas para a elaboração de um cardápio de possíveis intervenções urbanas que serão postas em prática conforme o capital compre ou não cada projeto, através das parcerias público privadas (PPPs). Democracia? Apenas para o capital, que diretamente decide o que e onde será realizado, construído ou utilizado na e da cidade.
Em suma, está sendo negociada a cidade, e com ela todos seus recursos e os direitos dos seus moradores e trabalhadores. E, se flexibilização e desregulamentação são palavras mágicas para o capital e o neoliberalismo, elas são, agora, aplicadas também às cidades. Argumentam que vivemos um momento excepcional, que prazos para obras precisam ser cumpridos para que o Rio e o Brasil não passem vergonha. O resultado é a instauração de uma cidade de exceção. Cidade onde leis de licitações, limites de endividamento, leis que regulam os parâmetros urbanos, leis fiscais, ambientais, e mesmo as garantias dos direitos individuais e coletivos são flexibilizadas conforme o gosto do freguês (investidores).
E, se o objetivo são os negócios, não esqueçamos: “amigos, amigos… negócios à parte”. Pois, se o objetivo é uma cidade amigável aos negócios e o capital, a cidade não será amigável aos seus moradores e trabalhadores. Vejamos: estão previstas remoções de 130 favelas até as Olimpíadas. Para a construção de 3 grandes vias rodoviárias (Transcarioca, Transoeste e Transolímpica) serão necessários milhares de despejos, que estão sendo realizados, sobretudo na região de Jacaré Paguá, sem o mínimo de respeito aos direitos de moradia e aos direitos humanos. Os 73 terrenos do Metrô, todos em áreas com infraestrutura, ao invés de usados para habitação popular, serão vendidos para fazer caixa para o metrô prometido ao COI. A Zona portuária carioca, onde cerca de 70% do solo é público, também entrou nos planos Olímpicos, para reforçar o projeto de aburguesamento da região. A política de segurança, o que inclui as UPPs, tem como prioridade criar zonas de paz (e de muros) nos entornos dos equipamentos esportivos, nas vias de acesso dos turistas, e nas áreas valorizadas ou em vias de valorização. E, por falar em segurança, lembremos: os jogos Pan-americanos no Rio, em 2007, começaram com o massacre no Alemão. E isso não foi mera coincidência: foi a política do circo que, no nosso caso, tem como acompanhamento o pau em vez do pão.
Já que estamos falando nisso: alguém acha que é coincidência o fato de termos no Rio uma coalizão de poder envolvendo as 3 esferas de governo: federal, estadual e municipal ? Ou acha que é por acaso que 90 (ou 91) dos 92 prefeitos do Estado do Rio tenham apoiado a reeleição do Governador ? Não, isso não é mera coincidência. Essa é uma das expressões da unidade da classe dominante aqui. Unidade essa que há uns 50 anos não existia (se é que existiu algum dia). E essa unidade tem como um de seus pilares o projeto de fazer da cidade do Rio uma cidade global (da periferia do capitalismo), e para tal é fundamental a realização dos megaeventos esportivos.
Segundo a teoria, as cidades globais concentram sedes de empresas transnacionais, precisam ter hotéis, serviços e equipamentos de 1ª classe para os homens de negócios. Precisa ter também uma excelente infraestrutura para essas empresas, tanto na área de comunicações como aeroportos, segurança etc. E precisam ter também condições atrativas para as empresas, como isenção de impostos, oferta de terrenos com infraestrutura e baixo preço, mão de obra barata etc. Não é a toa que vemos serem desengavetados projetos impopulares como as privatizações de aeroportos, da saúde, através das terceirizações nas emergências de hospitais, propostas de aumento da idade de aposentadoria dos professores etc. E tudo em nome da Copa e das Olimpíadas! Novamente segundo essa teoria, alguns dos efeitos desse modelo tão almejado são o aumento da desigualdade social e econômica e da segregação espacial. Mas alguém acha que isso é um problema para a classe dominante?
Para pôr tudo isso em prática, é preciso convencer disso também os trabalhadores, os pobres e até mesmo os movimentos sociais, sindicais etc. E nada melhor do que o clima criado pelos grandes eventos esportivos para isso. Ou ninguém lembra das festas de rua para comemorar a vitória do Rio e do Brasil pelo direito de ser sede das Olimpíadas? Megaeventos servem também para difusão de um “patriotismo da cidade”, que visa angariar apoio popular ao projeto da classe dominante, e assim para evitar e criminalizar as críticas, os conflitos urbanos, trabalhistas, fortalecendo ainda mais a cidade de exceção. Afinal, argumentam mídia e governos: remoções, despejos, obras faraônicas e desnecessárias, muros em favelas etc estão a serviço de um bem maior e, se alguém se insurge contra essas coisas, está contra o progresso, a cidade e o espírito olímpico !!!
Coerção e consentimento, criminalização dos pobres e patriotismo da cidade. Eis a velha fórmula de hegemonia. Mesmo assim, há aqueles que resistem. E a resistência a megaeventos tem feito história. E essa história é escrita através dos conflitos e pelos movimentos sociais.
 PAN Rio 2007: Manifestações e Manifestantes.
Com a realização do PAN 2007 no Rio, muitas manifestações, antes, durante e depois do evento foram realizadas. Foram organizadas por movimentos que representavam grupos sociais diretamente ou indiretamente atingidos pelo evento. As obras relativas aos Jogos; as prioridades orçamentárias das três esferas do Estado; e a política de segurança implementada durante o PAN e as remoções foram, entre outros, fatores que atingiram diferentes segmentos da população. Mas, existiram também aqueles que aproveitaram a ocorrência do PAN para realizarem manifestações: que usaram o PAN como arena para dar mais visibilidade às suas lutas e reivindicações. A articulação desses movimentos e entidades resultou na construção de uma ampla rede de entidades e movimentos sociais. Essa articulação de movimentos sociais no Rio de Janeiro se deu, em um primeiro momento, através do Comitê Social do PAN. Depois, quando passou a organizar um conjunto maior de movimentos e entidades, através da Plenária de Movimentos Sociais (PMS-RJ).
Agora, 4 anos depois do PAN e alguns ainda antes da Copa do Mundo e das Olimpíadas, podemos aprender com a experiência recente de nossas lutas. No caso do PAN 2007, o legado para a população, em matéria de obras e equipamentos, foi praticamente nenhum, enquanto os custos foram bastante altos. Já do ponto de vista das lutas sociais, os legados foram significativos. E serão mais ainda se, agora, servirem não apenas às lutas no Rio, mas também a todos os lutadores das cidades sedes da Copa do Mundo de 2014. Os comitês populares da Copa estão sendo criados. Porto Alegre, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte são algumas das cidades onde já existem. No Rio, o comitê popular é da Copa e Olimpíadas. Cabe a todos nós participar desses comitês, preparando a resistência para impedir que o circo aqui montado não venha acompanhado de mais pau nos trabalhadores e setores mais vulneráveis de nossa cidade.         

Nota do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) sobre a revolta dos operários na Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia

Nesta semana acompanhamos a revolta dos operários na Usina Hidrelétrica de Jirau contra as empresas que controlam a barragem. Existem informações de que os mais de 15 mil operários da obra estão em situação de superexploração, com salários extremamente baixos, longas jornadas e péssimas condições de trabalho, que existe epidemia de doenças dentro da usina e não existe atendimento adequado de saúde, que o transporte dos operários é de péssima qualidade, sofrem com a falta de segurança e que mais de 4.500 operários estão ameaçados de demissão. Esta é a realidade da vida dos operários.
Esta situação tem como principal responsável os donos da usina de Jirau, o Consórcio formado pela transnacional francesa Suez, pela Camargo Corrêa e pela Eletrosul. As revoltas dos operários dentro das usinas tem sido cada vez mais frequentes e isso é fruto da brutal exploração que estas empresas transnacionais impõem sobre seus trabalhadores.
Há pouco tempo houve revolta na usina de Foz do Chapecó, também de propriedade da Camargo Corrêa, em 2010 houve a revolta dos operários da usina de Santo Antonio e agora temos acompanhado a revolta dos operários da usina de Jirau.
As empresas construtoras de Jirau são as mesmas que foram denunciadas em recente relatório de violação de Direitos Humanos, aprovado pelo Governo Federal, que constatou que existe um padrão de violação dos direitos humanos em barragens e de criminalização, sendo que 16 direitos têm sido sistematicamente violados na construção de barragens. Os atingidos por barragens e os operários tem sido as principais vítimas.
A empresa Suez, principal acionista de Jirau, é dona da Barragem de Cana Brava, em Goiás, e Camargo Corrêa é dona da usina de Foz do Chapecó, em Santa Catarina. Essas duas hidrelétricas também foram investigadas pela Comissão Especial de Direitos Humanos em que foi comprovada a violação. Estas empresas tem uma das piores práticas de tratamento com os atingidos e com seus operários.
Em junho de 2010, o MAB já havia alertado a sociedade que em Jirau havia indícios e denúncias, que circularam na imprensa local, de que as empresas donas da Usina de Jirau haviam contratado ex-coronéis do exército para fazer uma espécie de trabalho para os donos da usina de Jirau e não seria surpresa se estes indivíduos contratados pelas empresas promovessem ataques ou sabotagens contra os operários e atingidos, para jogar uns contra os outros e/ou criminalizar nossas organizações e sindicatos.
A revolta dos operários é reflexo desse autoritarismo e da ganância pela acumulação de riqueza através da exploração da natureza e dos trabalhadores. Prova desse autoritarismo e intransigência é que estas empresas se negam a dialogar com os atingidos pela usina e centenas de famílias terão seus direitos negados. As consequências vão muito além disso, pois nesta região se instalou os maiores índices de prostituição e violência.
Em 2011, O MAB completa 20 anos de luta e os atingidos comemoram a resistência nacional, mas também denunciam que estas empresas não tem compromisso com a população atingida e nem com seus operários. Recebem altas taxas de lucro que levam para seus países e o povo da região fica com os problemas sociais e ambientais.
O MAB vem a público exigir o fim da violação dos direitos humanos em barragens e esperamos que as reivindicações por melhores condições de trabalho e vida dos operários sejam atendidas.
Água e energia não são mercadorias!
Coordenação Nacional
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

quarta-feira, 23 de março de 2011

Ato pelo direito à cidade, pela democracia e justiça urbana

Ato contra remoções


















Reproduzo o texto “A Cidade está mudando”, que explicita os motivos da manifestação marcada para amanhã e está sendo divulgado pela Rede de Megaeventos.
A Cidade está mudando
“O Rio de Janeiro que conhecemos hoje estará bem diferente daqui a quinze anos. Está sendo implantado um plano de investimentos, um novo traçado que cortará nossos destinos. Mas a participação da população nestas decisões é mínima, a nossa democracia delega às autoridades eleitas muitas responsabilidades e poucos espaços para prestação de contas e para compartilhar as decisões. Mesmo as famílias diretamente afetadas, que serão removidas, reassentadas ou indenizadas, são informadas e precipitadas num novo destino tragicamente.
O Porto Maravilha será construído e administrado pelo Consórcio Porto Novo, empreiteira OAS, Odebrecht e Carioca, com direito e dever de manutenção dos serviços públicos durante quinze anos. Teremos o Museu do Amanhã para discutir questões de sustentabilidade da civilização, desenhado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava, na praça Mauá, nas águas da Baía de Guanabara. Então, deve-se destruir o Viaduto Perimetral e fazer uma via subterrânea para substituí-lo. Será um caos no Centro quando for demolido este viaduto, que liga a Zona Sul, pelo Aterro do Flamengo, à ponte Rio-Niterói e à Avenida Brasil em direção à Zona Norte, contornando o Centro da cidade.
Na Zona Oeste, a Transcarioca e a Transoeste estão fazendo suas vítimas com as desapropriações e remoções. As indenizações somam valores irrisórios e não estão sendo indenizados comércios, templos religiosos e as associações. Não há diálogo com as comunidades, nem reassentamentos no mesmo local, como preconiza a Lei Orgânica.
Existe um estratégia para possibilitar estes planos de investimentos. Por exemplo, nas comunidades onde são instaladas as UPPs, antes vem o Choque de Ordem, operação repressora da prefeitura da cidade para expulsar os camelôs e moradores de rua, retirando dos morros depósitos, onde são guardados carrinhos, mercadorias e materiais de trabalho dos barraqueiros das praias e de outros trabalhadores informais, como estofadores, borracheiros, mecânicas, bombeiros e outros. A prefeitura faz a limpa impossibilitando o trabalho de diversos informais.
Com a diminuição da violência, os aluguéis vão aumentando, há maior interesse edm morar nestas comunidades, principalmente aquelas na Zona Sul. Com a impossibilidade do trabalho, em razão do Choque de Ordem, os pobres são expulsos para a periferia da cidade, como deseja o prefeito.
O tratamento oferecido aos moradores de rua nos abrigos da prefeitura é degradante. Os planos de remoção das pessoas que estão em área de risco deixam de cumprir os reassentamentos previstos em lei, sempre pressionando para que as pessoas se retirem para o projeto Minha Casa Minha Vida nos confins da cidade: Cosmos, Paciência e outras áreas longe do Centro com infraestrutura precária (escola, posto de saúde, hospital, supermercado e transporte). O plano político é criar um ambiente de consenso em torno da Copa do Mundo e das Olimpíadas e passar o trator por cima de quem quiser discutir, inclusive com o uso de forças policiais. Mas não vamos cair nesta cilada.
No dia 25 de março, estaremos na Candelária para discutir o direito à cidade, por não ter direito à uma boa escola, a um bom serviço de saúde e aos transporte coletivos, que são caros e de péssima qualidade. Não somos tratados como cidadãos que merecem o respeito pois a Constituição e as outras leis não têm valor para os pobres.
Queremos indenizações justas e prévias, queremos o reassentamento nos locais onde sempre moramos. O interesse social da propriedade tem que ser respeitado e o direito do camelô exercer sua profissão também. Os demagogos eleitos não podem passar por cima dos direitos sem que o nosso grito ecoe nas praças.”

domingo, 20 de março de 2011

Momento Fricção- Um final de semana com Obama

Lena chega, olha em volta e reconhece o entorno. É uma grande cidade como tantas outras, como a de onde veio. Ruas, árvores, carros, pessoas andam por todos os lados. A hora! Era hora de encontrar quem ela realmente tinha vindo ver. Até lá, esperava pacientemente pela amiga e admirava o vai e vem das coisas. Na televisão do saguão a imagem de um homem que chegaria naquele dia. Ela sentia um clima de expectativa no ar. Todos comentando. Era uma das figuras públicas mais importantes da época. Alguns falavam da festa que fariam em sua homenagem e da insatisfação com o cancelamento do seu ato público. Uns mais preocupados com o fim da festa, outros com os motivos pelos quais ele estaria pisando nesse solo.

Era realmente um lugar espetacular. Nesse aparente caos as peças se encaixavam, uma a uma, numa lógica sem sentido. O que movia toda aquela gente, naquele lugar, naquela hora? Por que tanta agitação desse lado tão sem graça da cidade? Deve ser trabalho. Mundo movido pelo trabalho. Isso também se parecia com o lugar de onde vinha. O dia estava lindo, outras coisas bem mais legais poderiam ser feitas, mas todos corriam de um lado para o outro, a trabalho, ou buscando um. “Então ele não vai mais?” escuto, ao fundo, enquanto o outro responde: “ pelo jeito não. Vai fazer num local fechado. Deve estar com medo de manifestações.” “ Mas vão falar o que do cara?” “O, meu chapa, não é só o cara em si, mas tudo que ele manteve e o que ele representa. Ele manteve o que sempre se fez. Apoio a ditaduras, intervenções militares desnecessárias, preocupação com o petróleo, com o lucro. Por que você acha que ele vem para cá?” “Olha, ta na hora do hino. Que emoção! E olha a roupa deles...É, claro, tem o petróleo. E o Brasil está com tudo com o pré-sal, não é mesmo? E o que foi que aconteceu na embaixada, mesmo? Ouvi que umas pessoas foram presas.” Naquele momento chega sua amiga. Com um abraço forte elas se encontram e somem entre a multidão barulhenta da cidade.

“ Vamos comer? Estão todos te esperando lá em casa!” E como refrescou. A casa, cheia, comemorava um aniversário embalada a muito samba. O clima do carnaval ainda estava no ar, como ela explicou. O que seria esse clima de carnaval, ainda não entendia. Só via que todos cantavam, conversam e se distraiam. Muitas mulheres na cozinha, servindo os convidados. O papo era o mesmo da sua chegada. Falavam sobre as mudanças no Oriente Médio, outros sobre as férias. E os olhares. Por todos os lados, olhares. Com o anoitecer, foi inevitável a dança. E as conversas mudavam de caráter.

“Você já viu a lua?” Lena, meio desorientada, olha para o céu e vê aquele espetáculo lindo. “Nossa!” Sem perceber, continuaram a conversa por horas. Tudo interessava aos dois. Os acontecimentos políticos mais recentes, o lugar onde estavam, a música, a vida. Depois de um tempo, se separaram. A música estava ótima e isso não foi problema algum. Logo já estava de papo com umas amigas. Tinha curiosidade de saber mais sobre o lugar. Como conseguiam viver com tantas diferenças sociais? Que naturalidade era essa de saber que alguns tem muito mais que a maioria e que o que importava mesmo era fazer parte do alguns, e não estender essa condição social e de poder a todos? Como poderiam fazer isso? Quem se interessava por isso? Ali, apesar dos comentários solidários, pouco era feito para que isso acontecesse. Soavam como frases feitas, para liberar a consciência do papel e da força de cada um na mudança. Ficou intrigada com o fato e foi interrompida com um “ Não é, Lena?” “Desculpa, estava distraída. Do que mesmo estão falando?” “ Eita, como você está aérea. Pensando na dança, né?” “Quem? Ah, claro. É, ele é interessante. Mas não, estava viajando em outras coisas. Quem é ele, afinal?” “Ele é uma gracinha. E está soltinho por aí. Aproveite!” “ Hum.. sei. Na realidade, sei não. Isso não me agrada muito. Já conversamos, foi bacana. Acho que ele está jogando o mesmo papo para aquela menina ali do lado.” “Pode ter certeza, Lena!” “ Pô, que cara maneiro! Só que eu passo”. “ Que exagero, Lena. Ele é muito bacana. Senti uma ironia no seu comentário” “ São outros padrões. Sei lá. Vamos dançar?”

Em casa, ficou intrigada com as diferenças entre lugares. Como se organizam, como vivem, como se relacionam. Algumas coisas marcaram com enorme carinho e outras como grandes contradições. Voltou. Atravessando a cidade no caminho para casa, ultrapassando o forte esquema de segurança imperial para o pronunciamento da tal figura internacional, acompanhando as passeatas que insistem em mostrar as divergências de opiniões entre o Estado e o povo, sentindo uma aparente tranqüilidade no ambiente devido ao acordo com os poderes territoriais locais, se despede da amiga. “Obrigada. Foram ótimos momentos, mas é hora de voltar”. Nos olhares que se cruzaram e os sorrisos que saíram, a certeza da troca, em meio a tantas ilusões, distorções, opiniões, dúvidas. Aquilo era real. Nem tudo se desmancha no ar.

domingo, 13 de março de 2011

Quarta-feira sempre desce o pano.

Hoje é domingo. Demorou para descer.
Agora é voltar a vida real, ver o que aconteceu nesses dias de fantasia. Dilma, Reforma Política, Efeito Dominó no Oriente Médio, Dia das Mulheres, tsunami no Japão, aumento das passagens de ônibus e coisa e tal. Arrumar a casa, que virou barracão de Carnaval. Comer alguma coisa decente, trocar a cerveja por suco e deixar que os momentos encontrem seus lugares na memória. Passou.

E o Rio de Janeiro fez seu show. Com pouquíssimo incentivo do governo, mas fez. O povo fez. Os músicos, as letras, os ritmos, os lugares, as fantasias e as pessoas. A gente fez, dando continuidade a festa que já se fazia. Refazendo, relembrando, recriando. Ruas tomadas. Já valeu pelos encontros, pela alegria, pela festa. E por criar o hábito das ruas. Torço para que seja tomada por outros motivos depois, que a gente se acostume tanto com ela, que ela volte a ser usada para outras manifestações. E o carnaval foi marcado por irreverentes inquietações políticas. Teve Bin Laden, placas anti intervenção no Oriente Médio, pelo sexo livre, por mais banheiros no carnaval e outras que nem me lembro mais. Por isso não dá para organizar tanto o Carnaval de rua. Alguns blocos surgem de forma espontânea e, se institucionalizar tudo, fica chato. A prefeitura tem que apoiar a festa e não controlar. Conforto com os banheiros (ponto FRACO do carnaval de rua), segurança, a distribuição de bebidas, alimentos, camisinhas e trânsito. E muito diálogo com os blocos. Nada de repressão, meu caro Paes. Carnaval é criativo e espontâneo. Deixa rolar, até porque seus camaradas estão fazendo muito dinheiro em cima da nossa festa, que esse ano registrou ser o maior Carnaval do Brasil.

Isso nas ruas. Já o Carnaval do sambódromo, vi pouca coisa pela TV. O que sobrava da minha energia do dia eu usava para vegetar na frente da TV até dormir. Enquanto isso, as imagens das escolas simplesmente passavam. Não vi a Mangueira nem a Tijuca, infelizmente. Não que eu torça para elas, sou Villa Rica de coração e tenho um grande carinho pela São Clemente, mas a homenagem a Nelson Cavaquinho deve ter sido imperdível, e a Tijuca sempre tem alguma novidade interessante, que foge dos padrões batidos dos desfiles. 
Vi um pouco da São Clemente e amei ver a bateria com mulheres, principalmente no surdo. Meu carinho pela São Clemente tem muito a ver com a bateria, aprendi muito de samba com eles. O desfile do Salgueiro realmente me irritou. Já não sou muito fã da escola, sempre achei eles mais preocupados com os globais do que com o povo que faz o Carnaval, mas deve ser encrenca minha, mas vestir a bateria de BOPE foi o cúmulo. Fiquei incomodada com aquilo.

E não concordo com as interpretações que fazem do Tropa de Elite, principalmente do II, sobre o papel do BOPE e a necessidade de um herói. Acho que quem viu o filme assim, perdeu a grande essência da coisa que foi criticar o sistema de relações entre o crime e o poder institucionalizado, sendo que o BOPE é um dos pilares, junto com a Secretaria de Segurança Pública do braço organizado. Está aí a Operação Guilhotina para dar continuidade a esse debate. Ou seja, era um enredo sobre cinema, o Tropa de Elite foi um filmão, abriu um debate necessário na nossa sociedade, mas homenagear o BOPE dessa forma é perder o fio da meada.

Agora é voltar a vida. Sair na rua sem fantasias, sem cantarolar alto e com coro todas as marchinhas e sambas maravilhosos da nossa Terra, sem interagir com todos no trajeto da casa para onde quer que se esteja indo, num sem destino constante, sem acordar e misturar o leite com a danada, e por aí vai. Preparar para entrar na cova com os leões e esperar o próximo evento de povo na rua. Espero que esse não seja o único do ano. Quarta-feira sempre desce o pano...


 

quinta-feira, 3 de março de 2011

Nosso Governo olha para o lucro e não para as pessoas

POR MARCELO FREIXO

Recebi dos moradores de Santa Cruz, que são vizinhos da Companhia Siderúrgica do Atlântico, o material que está aqui, recolhido por eles em suas casas durante bastante tempo. A ideia da cápsula, claro, foi do meu gabinete. Mas eles recolheram esse material aqui. Esse material é uma fuligem que sai de dentro do forno da Companhia Siderúrgica do Atlântico. Isso tem provocado uma série de doenças de pele, doenças nos olhos das pessoas, doenças respiratórias, enfim, uma série de problemas que a saúde pública que, aliás, teve o Hospital Pedro II que acabou de fechar, já não atendia, agora atende menos ainda.
Nesse sentido, trago aqui várias cápsulas com essa fuligem. Eu dividi democraticamente e quero dizer que vou entregar uma para cada Deputado que pertence à Comissão de Defesa do Meio Ambiente e à Comissão de Saúde. Eu aconselho inclusive aos Deputados da Comissão de Saúde e da Comissão de Defesa do Meio Ambiente que não abram, porque senão vão sofrer aquilo que a população de Santa Cruz está sofrendo. Provavelmente terão irritações nos olhos, na pele, problema respiratório... Não desejo isso a nenhum Deputado.
Mas também não desejo isso à população de Santa Cruz, que está convivendo com esse problema seriíssimo e com uma enorme irresponsabilidade. Não dos diretores da CSA, não dos donos do capital da Thyssen-Krupp, que é um capital alemão investido ali, mas do nosso Governo. Porque eu não posso responsabilizar o capital alemão pela qualidade de vida da população de Santa Cruz. Mas posso responsabilizar a Prefeitura, o Inea e o Governo do Estado que permitem que esse investimento aconteça.
Quero dizer que a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e o meu mandato vêm acompanhando sistematicamente esse debate sobre Santa Cruz, sobre a CSA e o capital da Thyssen-Krupp. Esse investimento alemão, que é o maior dos últimos anos na América Latina, não foi permitido na própria Alemanha. Na Alemanha a Thyssen-Krupp não conseguiu abrir a companhia siderúrgica que abriu no Rio de Janeiro. Tentaram no Chile, também não conseguiram. Tentaram em outros Estados do Brasil, não conseguiram. Conseguiram no Rio de Janeiro. É curioso por que no Rio de Janeiro foi tão mais fácil do que no país de origem desse investimento que é a Alemanha.
Eu digo a razão: porque o lucro, em alguns lugares, não está acima da vida. A responsabilidade social e a responsabilidade ambiental deveriam estar na frente do grande volume de dinheiro aplicado no Rio de Janeiro. E o poder público não pode olhar para os seus cofres e esquecer a vida das pessoas que estão nos arredores daquilo ali.
Quero dizer que centenas de pescadores artesanais que viviam da Baía de Sepetiba tiveram suas vidas inviabilizadas. Não podem mais viver da pesca artesanal. Denunciaram isso. Resultado dessa denúncia: o principal líder dos pescadores da Baía de Sepetiba, hoje, vive num programa de proteção às testemunhas porque foi ameaçado pela segurança do local, que tem ligações com a milícia local. Investigamos a milícia numa CPI feita nesta Casa e sabemos que naquela região a milícia é muito forte, como em toda a Zona Oeste. Sabemos – fizemos audiência pública nesta Casa e mostramos – que o chefe da segurança da CSA tinha vínculos com a milícia e ameaçava qualquer um que se colocava contrário aos interesses poderosos e econômicos da Companhia Siderúrgica do Atlântico.
O nosso governo? Ele se calou. O nosso governo não fez cumprir a lei, o nosso governo não se posicionou favorável à dignidade da pessoa humana. Olhou para o lucro, olhou para os investimentos, olhou para o cofre público mas não para as pessoas, não para a sua responsabilidade.
Não é só nesta Casa que essas vozes começam a surgir. A Defensoria Pública fiscalizou e denunciou e está contrária a esse investimento e o Ministério Público fez uma ação brilhante. Eu, que muitas vezes sou crítico ao Ministério Público Estadual, no que diz respeito à CSA, reconheço que ele agiu bem, denunciou, inclusive, dois dos seus diretores, é aplicado, tem visitado aquele lugar.
A ThyssenKrupp foi questionada no Parlamento Europeu, afinal de contas, é um capital alemão. Se não pode fazer isso na Alemanha, por que vai fazer no Rio de Janeiro? Nós fizemos essa denúncia internacional. O que percebemos? Nós percebemos que no Parlamento Europeu eles fizeram um relatório das benfeitorias aplicadas pela CSA. Um ponto me chamou muito a atenção.
Detalhe: esse não é um relatório da Comissão de Direitos Humanos, não é um relatório do PSOL, é um relatório feito pela ThyssenKrupp, um relatório feito pela CSA, é um relatório deles. O relatório deles, apresentado no Parlamento Europeu, dizia que eles faziam muitos investimentos sociais, entre eles a reforma do prédio da Feema, hoje Inea.
O órgão que deveria fiscalizar a CSA consta no relatório da companhia como tendo tido seu prédio reformado pelo órgão que deveria ter sido fiscalizado. Eu não sei se estou ficando louco, se é o pó da CSA que está me deixando maluco, mas isso é, no mínimo, muito grave, muito suspeito. Como o prédio de um órgão fiscalizador é reformado pelo órgão fiscalizado, pela empresa fiscalizada? Isso é normal? Isso é normal? Quem é anormal sou eu? É a minha crítica? É falar contra um investimento tão poderoso? Por quê?
Deputado Sabino.
O SR. SABINO – Deputado Marcelo Freixo, é apenas para dizer o quanto são oportunos o seu pronunciamento, as suas palavras. Como membro da Comissão de Defesa do Meio Ambiente – não sou Presidente, sou membro da Comissão –, vou requerer ainda hoje que a Comissão de Defesa do Meio Ambiente se reúna para convocar aqui os representantes da CSA e dos órgãos ambientais para começarmos os esclarecimentos sobre este tema.  Parabéns!
MARCELO FREIXO
Agradeço. Muito oportuna a fala de V. Exa. Posso entregar os relatórios todos que nós temos já sobre a CSA, não vou entregar só o pó, não vou fazer essa maldade. Há algumas coisas importantes, Deputado Sabino, que faz essa importante proposta, a serem definidas agora.
A CSA teve o seu forno autorizado, o número 1, com a presença inclusive do Presidente Lula na sua inauguração. Houve tempos em que o Presidente Lula olhava mais para o operário do que para o lucro da empresa. Enfim, as coisas mudam, e está agora para ser autorizada a licença definitiva da Companhia Siderúrgica do Atlântico. Isso é um absurdo! Isso contraria os acordos feitos com o Ministério Público, contraria todas as indicações dos órgãos fiscalizadores.
A CSA precisa passar por uma auditoria externa independente. A CSA quer nos empurrar a ideia de que a Usiminas vai ser contratada para fazer essa vistoria independente. Não é independente! As relações entre a Usiminas e a Vale são profundas, são políticas. A Usiminas não tem condições de fazer essa avaliação independente na CSA. Isso contraria qualquer norma de vistoria ou de auditoria.
Nós precisamos, como Poder Legislativo independente, que tem função fiscalizadora sobre o Executivo, não permitir que a licença definitiva seja dada à CSA enquanto a vistoria externa não acontecer, enquanto a sua responsabilidade social e ambiental não for apurada; enquanto as pessoas não tiverem sua dignidade de volta.
Não é possível que toda pessoa pública no Rio de Janeiro tenha esquecido de que a vida e a dignidade humanas estão acima do lucro. É só isso.
Muito obrigado, Sr. Presidente, vou entregar os potinhos aos respectivos Deputados.
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