quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Desabrigados de niterói: dez meses depois quase nada mudou

 

 


A propagandeada imagem de Niterói como melhor cidade em qualidade de vida do estado do Rio de Janeiro e a 4ª do Brasil desmoronou junto com a tragédia das chuvas de abril de 2010. Dezenas de favelas foram devastadas pela força das chuvas, deixando um rastro de destruição e mortes. O desastre do Morro do Bumba rompeu com a relativa invisibilidade das demandas populares na cidade, que sairam da periferia e vieram para o centro do debate político. A tragédia de abril fez a população olhar retrospectivamente a história recente de Niterói com certo pessimismo. De repente, notou-se que à margem dos monumentos de Niemeyer ergueu-se um exponencial déficit social.
Em nenhum momento da história de Niterói, estiveram tão expostos os problemas da cidade. Além das milhares de pessoas que embora desabrigadas não conseguiram receber o aluguel social, aquelas que foram contempladas ficam por meses desamparadas devido os constantes atrasos no pagamento. Ocorre que o aluguel social é distribuído em quantidade insuficiente (algo em torno de 3.000 benefícios), em data irregular e com constante atraso, de forma a tornar impraticável a manutenção dos contratos de locação de imóvel. Não raro nos deparamos com situações de despejo em razão da inconstância do aluguel social, obrigando que famílias voltem a tentar se socorrer em abrigo público, pleito que desgraçadamente não é atendido pela Secretaria de Assistência Social do município.
A irregularidade no pagamento do aluguel social tem ocasionado improvisos dramáticos. Na falta do aluguel social ou na impossibilidade de utilizá-lo para seu devido fim, por conta dos valores praticados no mercado imobiliário da cidade e também pelo atraso no oferecimento do benefício, desabrigados são obrigados a pedir abrigo a familiares, gerando a convivência, nem sempre harmoniosa, de mais de uma unidade familiar por residência, ou a alugar um imóvel em outro município cujo mercado imobiliário seja menos inflacionado, em uma verdadeira migração forçada para zonas mais periféricas.
Outra solução encontrada pelos desabrigados é o retorno para áreas de risco de desabamento. Há vários relatos de pessoas que inclusive voltaram para suas casas, interditadas pela Defesa Civil. Muitas são as comunidades com risco de deslizamento que continuam abandonadas pelo poder público, restando às famílias acostumar-se com o medo de uma nova tragédia. Todas as oportunidades em que precipitam chuvas fortes em Niterói, famílias inteiras deslocam-se para praças e outros locais abertos nos quais se sintam mais protegidas.
A situação dos alojados também não é menos dramática. Há alguns dias, em 1º de fevereiro, um dos locais que vinha sendo usado para alojar os desabrigados das chuvas de abril, o 4° GCAM, foi desocupado pela prefeitura, tendo sido as pessoas transferidas compulsoriamente, com auxílio de tropa de choque, para o 3° BI, onde também há um alojamento provisório. A remoção foi feita de forma precária, utilizando-se sacos e caminhões de lixo para o transporte dos pertences. Os dormitórios do 3° BI destinados às famílias removidas são um atentado à dignidade humana. Muitos não contam com adequada circulação de ar, sem portas, com divisórias de madeira, que não garantem qualquer segurança e privacidade às pessoas. Aliás, não se tem nem água gelada para o consumo. O que há é acúmulo de lixo, toque de recolher, proibição de reuniões, uma piscina com foco de mosquitos etc.
O 4° GCAM e o 3° BI são áreas federais, assumidas pelo governo do estado e cedidos à prefeitura de Niterói com o objetivo de construir moradia para as vítimas das chuvas. Entretanto, os gestores públicos do município anunciaram que construirão no 4° GCAM uma área de lazer. As famílias desabrigadas seriam assentadas, na melhor das hipóteses, em outro local, no bairro do Sapê, mais distante, sem infra-estrutura e ainda parcialmente em área ambiental, o que tem ensejado ações do Ministério Público.
Enquanto se amplia a construção do conjunto de obras arquitetônicas do “Caminho Niemeyer”, o que recentemente foi reforçado com a abertura do processo de licitação para edificação de uma torre panorâmica de 60 metros , orçada em R$ 20 milhões, cresce a compreensão de que são imprescindíveis investimentos para contenção de encontas e urbanização de favelas. Ganhou corpo no senso comum a sensação de que o poder público local não prioriza gastos em políticas públicas que se direcionem para a solução dos problemas que a população entende como sendo mais importantes. Há uma ampla insatisfação com o modelo de gestão da cidade, que prioriza direcionar recursos para o embelezamento da zona sul ou é drenado para sustentar uma política fisiológica de ocupação do aparelho estatal, com a reprodução de milhares de cargos de confiança para a acomodação de aliados e cabos eleitorais em órgãos municipais.
De fato, parece que chegamos a um ponto de inflexão na história de Niterói, no qual se abre espaço para um novo ciclo político. Cada vez mais setores da sociedade niteroiense avaliam que se esgotou a era Jorge Roberto Silveira, vista agora como insustentável política, social e ambientalmente.
(*) Matéria publicada originalmente no Boletim do MST Rio.
Desabrigados-de-niteroi-dez-meses-depois-quase-nada-mudou/

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Remoção de parte da Vila Autódromo, no Rio: não existe outra alternativa?

18/02/11 

por raquelrolnik

Na última quarta-feira, a juíza Cristina Aparecida de Souza Santos emitiu sentença na qual determina a remoção de parte da comunidade da Vila Autódromo, situada próxima à lagoa de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Com a justificativa de fazer cumprir a legislação ambiental, a Justiça do Rio pode estar ajudando a produzir novas ocupações em áreas de risco e de preservação.
Os problemas da Vila Autódromo poderiam ser resolvidos com a implementação de um projeto urbanístico que eliminasse a situação de risco e vulnerabilidade e melhorasse as condições ambientais da comunidade e de todo o seu entorno. Em vez disso, a Justiça autoriza as remoções, sem compromisso com uma solução habitacional que respeite o direito à moradia adequada da população que será atingida.
Desde os Jogos Panamericanos a comunidade da Vila Autódromo vem resistindo às ameaças de remoção. O fato é que ela está localizada na área onde será implantado o projeto olímpico, assim como ações de urbanização e reestruturação imobiliária. Para os interesses empresarias envolvidos na construção e remodelamento da região, as comunidades precisam ser removidas porque elas representam um empecilho à “limpeza” da área. E a prefeitura absorve e adota essa posição como diretriz ao afirmar que essas comunidades têm que ser removidas e não urbanizadas.
O pior de tudo é que não há debate público sobre o assunto. O projeto Olímpico, assim como o da Copa, não está sendo objeto de discussão pela sociedade. Assim, outras possibilidades de projetos, inclusive aqueles que contemplariam a urbanização dessas áreas, não puderam ser elaborados, nem expostos, nem muito menos debatidos ou levados em consideração. É de um extremo autoritarismo fechar todos os projetos para as Olimpíadas e a Copa sem nenhum debate público, com interlocução do governo apenas com o setor empresarial.

Remoção parte Vila Autódromo- Raquel Rolnik

É, Raquel querida, falou tudo.
A discussão sobre os impactos dos megaeventos fica confinada em algumas universidades,  movimentos populares que aglutinam os atingidos e em gabinetes de secretarias que deveriam ser públicas.
O debate sobre Reforma Urbana não consegue ganhar espaço como fez o da Reforma Agrária.
Enquanto isso, não sai nem uma reforma, nem outra.
E pensar que antes falavam em Revolução.
Agora estamos num momento Reforma e, mesmo assim, pouco avanço. O capital tem feito a festa.
Algo de estranho no ar...

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Planet Lapa e a passagem do tempo.

Pré carnaval é isso. Os blocos estão na rua e  eu, obviamente,  atrás deles. A experiência de ontem foi engraçada. Alguém assistiu aquele filme do Nanini (sei lá como escreve) em Copacabana, comemorando seus 80 anos? Pois é, ontem, ao som de Rancho Flor do Sereno, tive vários flashbacks daqueles. Enquanto andava, reencontrava figuras lendárias e as cenas de outros tempos, embaladas por marchinhas de outros carnavais, se formavam na minha cabeça. Foi engraçado. Não que eu esteja comemorando meus 80, estou longe disso, mas já tenho lá muitos anos de vida.

A passagem do tempo pode significar grandes mudanças na vida das pessoas. Eu, quando pequena, gostava quando alguém dizia que eu parecia mais velha do que era. Não que eu não curtisse a minha infância, curti paracaralho, mas tinha alguma coisa sobre a passagem do tempo que eu admirava, como uma sabedoria, um entendimento maior sobre as pessoas e as coisas. Ainda hoje não tenho problemas com idade, mas vejo como isso é uma questão para muitas pessoas. Não é educado perguntar a idade de alguém. Como assim? Que babaquice é essa? Que desrespeito é esse com as pessoas? Que super valorização da juventude (ou de sua suposta beleza externa) é essa? Já ouvi coisas absurdas do tipo “ até que você está bem para 30 anos!” Ai, gente, paciência nessas horas! Claro que a passagem do tempo não é necessariamente igual a mais sabedoria, respeito, conhecimento e tal. Ela pode significar também um acúmulo de cagadas e seres que ficam mais experientes na arte de sacanear, mentir, iludir e essas coisas que também acontecem. Tem de um tudo. E é muito legal trocar com pessoas que trazem em si grandes experiências. 
A passagem do tempo é obviamente mais perversa para as mulheres. Até os 15 elas são tidas como crianças. Dos 15 aos 25, filé. Dos 25 aos 30, ainda dão para o gasto. De 30 até 40 elas são as neuróticas que só pensam em casar e ter filhos. E as de 40 em diante, sem chances para elas, salvo raras exceções, como as ricas ou as mega dedicadas ao corpo e a aparência. Lógico, todo esse raciocínio podre parte do principio de que a mulher vale pelo que ela aparenta, pelo pedaço de carne que ela pode representar, e pelo que se classifica como beleza em um determinado período histórico.
Infelizmente, já ouvi muito disso. E é deprimente, meu povo, deprimente. Enquanto isso, vou vivendo, sentindo a passagem do tempo e curtindo os flashbacks. Viva a Lapa!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Assembleia dos professores da rede estadual – lançamento da campanha salarial 2011

10 da manhã, centro da cidade do Rio de Janeiro. Auditório lentamente enche até ficar lotado. Lá fora, uns 40 graus, céu azul.

Infelizmente, contribuo pouco para o movimento sindical dos professores. Acompanho as deliberações, leio boletins, discuto com professores, alunos e diretores as questões do momento, mas vou poucos nas assembléias e atos. Só quando acontecem aos sábados. Mas é durante a semana que o bicho pega, claro, assim chama mais atenção da população, mas os horários são incompatíveis para um professor do Estado. Contraditório? Claro. Os professores, como todos devem saber, cumprem horários em diferentes escolas.
Claro que tenho minhas queixas em relação ao sindicato, mas elas são pequenas perto do trabalho que eles realizam. Se eu queria que eles fizessem mais? Certamente. Assim como eu gostaria de me dar mais. É o que dá. E com o que dá, eles fazem um trabalho digno. Essa assembléia foi uma das mais interessantes que eu já freqüentei. Pela primeira vez vi a direção central do sindicato e os participantes da assembleia argumentando para além dos chavões políticos da luta entre capital x trabalho. Esse discurso é ótimo e necessário, mas jamais avançaremos somente com ele. E têm as brigas internas chatérrimas, as divisões partidárias, as discussões infundadas que afastam o professor e outras parcelas da sociedade da discussão sindical. As vezes cai num jogo perigoso e egocêntrico, como muitos outros movimentos políticos, onde as pessoas estão mais preocupadas com a retórica e o convencimento do público do que com as próprias propostas e suas reais transformações na sociedade. Hoje vi argumentos claros e convincentes sobre a política do governo Sérgio Cabral, em como ele é competente no quesito arrochar o salário do funcionalismo público e nas verbas para a educação e como a secretaria estadual de educação e seu secretario tratam o sindicato. Pelas declarações do novo secretário, já estava mais do que claro que era alguém completamente despreparado para levar um projeto de educação pública de qualidade para frente. Depois de ouvir relatos sobre a reunião dele com a direção do sindicato, isso ficou ainda mais evidente. O problema é que temos um governo com apoio popular, que ganhou no primeiro turno com ampla maioria. Apontar suas contradições e dialogar com a sociedade é fundamental. Há uma política clara de desvalorização da educação pública. Será que os filhos do Cabral estudam em escolas estaduais?
Vi as deliberações da assembleia agora.http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=1685
Nada alem do esperado. Paralisação, reajuste, e fórum de luta em defesa da universidade pública. O que chama atenção é ainda o dirigismo das direções. Como não temos uma estrutura política democrática, na sociedade como um todo, os movimentos políticos tendem a ser centralizadores. Isso ficou muito claro na assemblia de hoje. A direção central fazendo de tudo para que cada detalhe da assembleia não fugisse do controle, que sempre tivesse alguém para fazer alguma intervenção dentre as falas do público, professores e funcionários, presente. As resoluções refletem o controle da direção central sobre a assembleia. E reflete o nosso despreparo político. Ao menos temos direções minimamente sensatas e na luta. Falta perna, falta gente. São muitos os motivos. Um deles passa pela própria estrutura do sindicato e pela dificuldade de organização da sociedade.
O Egito foi lembrado algumas vezes. Pela primeira vez achei que não era retórica. Pensei e me emocionei com a possibilidade de uma ampla mobilização popular. Mas mobilização que não pode parar depois de algumas manifestações, tem que fazer parte do cotidiano das pessoas. E disso estamos longe. E por isso movimento sindical fraco. E por isso o pouco que acontece emociona.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Comunidade discute projeto Porto Maravilha

Divulgando... 

Comunidade discute projeto Porto Maravilha

Todos sabemos como o projeto do Porto Maravilha desperta polêmica, especialmente entre os moradores e comerciantes da região diretamente afetada pela revitalização. Por conta disso, haverá uma reunião, amanhã (dia 12), às 11hs,  no Centro Cultural José Bonifácio, na Gamboa. Quem está organizando é Carlos Machado, que atuou  na Ama-Saúde – Associação de Moradores da Saúde e Adjacências – e na preservação e tombamento de imóveis e monumentos da área. Machado foi também diretor do SAGAS(Projeto de Preservação dos Bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo) e é presidente do Afoxé Filhos de Gandhi.
Esta é a terceira reunião que reúne membros da sociedade civil preocupados com os rumos do projeto na Zona Portuária.  A pauta será ”Discussão de Estratégias de Mobilização de Moradores e Comerciantes”.  A quarta reunião no CCJB já está prevista para o dia 26/02,  às 11hs, com palestras e debate sobre os impactos do projeto.
A mobilização da sociedade civil é fundamental para evitar que a revitalização prejudique quem vive e ganha seu sustento naquela região.

http://eliomarcoelho.wordpress.com/2011/02/11/comunidade-discute-projeto-porto-maravilha/

 

Se hoje canto essa canção, o que cantarei depois? Sobre o vice de Mubarak.

 Egito em festa, mais do que merecida. O que virá?
Vídeo esclarecedor sobre o vice de Mubarak.
Omar Suleiman the CIA´s man

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O que elas querem

Domingo.
Como gosto de fazer, acordo, leio várias noticias, jornais, artigos em blogs, facebook, twitter e coisa e tal. As vezes encontro coisas maravilhosas, textos interessantíssimos sobre o mundo em que vivemos, dicas culturais e tantas outras. Só que eu me deparo também com coisas absurdas, entediantes, preconceituosas e chatas. O PIG é mestre nisso. Na realidade, comecei a escrever esse blog porque achei a tal “ blogosfera” muito mais interessante do que a orkutosfera e principalmente a facebookosfesra, essa, para mim, a pior de todas. A quantidade de inutilidade e de exposição, principalmente de imagens da vida alheia, me enchia um pouco a paciência.
Hoje vi uma discussão na facebookosfera sobre a proliferação de blogs e os malefícios disso para a literatura. Confesso que me irritei um pouco, mas decidi não entrar na discussão e refletir um pouco sobre o assunto. Realmente, esse é mais um blog de, ou seja, os blogs estão se proliferando. Mas quer saber? Acho isso ótimo! Adolescentes estão escrevendo sobre a sua vida pessoal e tem gente que não se interessa por isso? Maravilha. Procure outro blog. Que bom que elas se expressam, trocam com os outros, organizam suas ideias, compartilham. Mulheres estão escrevendo sobre seus relacionamentos fracassados? Ótimo, tem gente que adora isso, se identifica, se emociona, identifica padrões de comportamentos, sei lá. A diferença na Internet é que as opções são muitas. Isso é um grande avanço. Na TV você não pode fazer isso. As opções de programas, principalmente na TV aberta, são reduzidíssimas. Passamos a vida sem poder escolher o que íamos assistir. Agora qualquer um, desde que tenha acesso a Internet, pode criar uma página e expressar suas opiniões, divulgar pesquisas, imagens, dicas, promover encontros. Acho isso ótimo, desde que  seja usado para trocar e não para ofender e coisa e tal. A literatura não vai ser afetada por isso. Ela continuará lá, tendo seu papel importantíssimo na composição de um povo, na estruturação do caráter, da língua. Muito do que é feito na blogosfera não se pretende literatura, o povo quer mesmo é se comunicar. E se você não se interessa pelo o que está escrito, não leia!
Outra coisa que chamou atenção ontem foi um dialogo curto com uma amizade dessas que você faz na rua e provavelmente não vai ver nunca mais. Chega o tal do fulano que solta a pérola: “ Tudo bem, já sei que você não vai para onde estou te convidando, estou lendo Comequirezakamá, estou entendido das mulheres!” . Achei o comentário um tanto absurdo, não entendi quem o fulano estava lendo, cheguei até a achar que era algum guro indiano e obviamente não dei muita bola.
O fulano até que quebrou um galhão, o carro não ligava de jeito nenhum e ele, naquele jeito bruto, tira a moça de dentro do carro e mexe daqui, mexe de lá, até que algo acontece. E não é que o diacho funcionou? Depois ele manda novamente o tal comentário, se achando o conhecedor do universo feminino: “estou lendo Comer, rezar e amar. Estou entendendo vocês”. Eu, mega contente com a reanimação do carro e louca para sair dali, continuei sem dar bola e ignorei mais uma vez o comentário.
Hoje, quando acordo, lendo as manchetes do PIG, vejo coisas do tipo “ atriz tal, naturalmente sensual” ou “atriz x emagrece e arrasa”. Aquela cena do dia anterior me voltou a cabeça. Até dei um crédito para o fulano, preocupado em compreender as questões femininas, mesmo discordando de suas estratégias. Continue lendo, meu caro, isso faz bem sempre.
Eu deixo uma dica para tentar sanar sua dúvida em relação as mulheres: respeito. Pratique isso, com as mulheres e com todos os seres, e assim caminharemos juntos. Cada um tem seu cada um, quer uma coisa ou outra. Mas sem respeito, não dá. Pense nisso toda vez que quiser compreender melhor as mulheres.

E quem não quiser ouvir as minhas impressões, que leia outro blog!hehe
Acho que a Aretha concorda comigo!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Plano Diretor é uma farsa!

 Divulgando. Perdemos mais uma oportunidade de discutir seriamente os rumos da cidade. O capital vence mais uma vez!

Fevereiro 3, 2011 por eliomar coelho

Lá se vão duas décadas e, enfim, a prefeitura sanciona um conjunto de regras para a construção e utilização do espaço urbano que está totalmente defasado. A cidade é outra. O mundo mudou nesses 20 anos.
O Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro foi elaborado em  1992 e deveria ter passado por uma revisão em 2002. Ou seja,  foram quase 20 anos de uma estratégia traçada para uma cidade que não existe mais.  Há dez anos atrás, fui co-autor de um projeto de resolução que já pedia a tramitação da revisão deste Plano no âmbito da Câmara Municipal, de acordo com o que estabelece o Estatuto das Cidades.
Para se fazer um instrumento desta envergadura, seria necessário se debruçar e analisar o Plano Diretor que estava vigente.  Em primeiro lugar, seria preciso  avaliar como está a nossa cidade hoje, como se tirássemos uma fotografia do Rio de Janeiro atual. Seria fundamental ir a campo, levantar dados e a partir desses elementos trabalhar para elaborar um novo Plano Diretor eficaz.
A revisão  do Plano Diretor transcorreu sem um mapeamento prévio da cidade, sem a confrontação de dados técnicos com a realidade. Defendemos a necessidade de um Termo de Ajustamento de Conduta, onde o Ministério Público Estadual seria mediador entre prefeitura, Câmara Municipal e a sociedade civil organizada. Também propusemos a formação de um Núcleo Gestor do Plano Diretor, constituído pelos diversos segmentos do poder público e da sociedade civil. Nada disso aconteceu. Mesmo após várias reuniões com moradores, nada do que foi proposto pela população foi levado em consideração.
Há uma série de erros grosseiros no Plano Diretor atual. Um pequeno exemplo é a forma como  foram alterados parâmetros urbanísticos de Botafogo, um bairro completamente saturado. Nem ao menos se fez uma avaliação da infraestrutura da região. Outra falha grave: desmantelaram-se PEUs (Projetos de Estruturação Urbana). Os PEUs são um dos mais importantes instrumentos de regulação urbanística. Previstos desde o Plano Diretor de 1992, deveriam ter sido desenvolvidos para todo o território da cidade, um para cada uma das 55 Unidades Espaciais de Planejamento.
O prefeito sacramentou  uma farsa. Coisa para “inglês ver”. Fui contra. Mas, infelizmente, os vereadores aprovaram. O que o Executivo fez foi induzir o imaginário da população a acreditar que,  de fato, foi criado um novo Plano Diretor.  E isso é um desrespeito!

http://eliomarcoelho.wordpress.com/2011/02/03/o-plano-diretor-e-uma-farsa/

As tragédias são frutos das opções políticas. Entrevista com Raquel Rolnik

Repasso excelente entrevista com Raquel Rolnik sobre o modelo de desenvolvimento urbano no Brasil.

Publicado em fevereiro 17, 2010


Fórum – Tendo em vista os últimos acontecimentos, com tragédias como a da Ilha Grande, desabamentos na Serra do Mar, enchentes e alagamentos em várias cidades, como poderíamos relacionar esses casos com a falta de planejamento urbano no Brasil?

Raquel Rolnik – O que estamos vivendo hoje nas cidades brasileiras é um indicador da crise do modelo de desenvolvimento urbano no Brasil, do modelo de ocupação do território, e não acho que seja uma crise passageira. Diante de eventos extremos como uma grande quantidade de chuva concentrada numa determinada época isso aparece claramente. E essas chuvas não são absolutamente incomuns. Claro que este ano isso foi mais exacerbado, mas dentro de uma situação que já acontece e daí surgem os efeitos da vulnerabilidade desse modelo, que levou a um duplo colapso: um colapso da mobilidade, não apenas na cidade de São Paulo e na região metropolitana, que talvez sejam a face mais aguda da questão, mas também em muitas outras cidades brasileiras. E, de outro lado, as perdas de vidas humanas e prejuízos econômicos que foram decorrentes dos deslizamentos e das inundações.
Essas duas coisas estão relacionadas, o tema da mobilidade, assim como o da fragilidade socioambiental das nossas cidades, está diretamente relacionado a um modelo de desenvolvimento urbano que, ao contrário do que o senso comum considera, representam opções de políticas públicas adotadas pelos governantes brasileiros e pelo poder constituído ao longo da sua história. Esse modelo não decorre de falta de planejamento, mas sim pela presença de um planejamento voltado para determinados objetivos, foram políticas urbanas desenhadas para atingir determinadas metas e interesses. Esse momento que estamos vivendo não é coincidência, é uma situação onde aqueles elementos que já estavam presentes em termos de vulnerabilidade, impossibilidade, insustentabilidade do nosso padrão de desenvolvimento urbano vão ficar cada vez mais presentes . Resumindo, é uma questão estrutural, que veio para ficar e que foi fruto de opções políticas.

Fórum – É um modelo baseado na estruturação do capitalismo e do poder econômico, mas não é contraditório já que, ao mesmo tempo que privilegia o ganho pelo capital, pode gerar desastres como esses?

Raquel – Sim e é nessa contradição que nós estamos apostando, porque está claro que esse modelo não funciona, o que é possível ver por meio da agudização desses processos que atingem a todos, inclusive o próprio capital e as próprias condições de desenvolvimento econômico. Acho que um exemplo mais imediato e mais fácil de relacionar com a questão econômica é a mobilidade. Quer coisa mais importante para o capital do que as condições de circulação de mercadorias e pessoas? Isso aqui é básico e está muito comprometido hoje porque a matriz básica de circulação baseada no transporte sobre pneus, que não é só o carro, é o rodoviário, o conjunto carro, caminhão para carga e ônibus como opção de transporte coletivo. Essa política de estruturação do território, uma opção rodoviarista, começa a acontecer nos anos 30 e se consolida nos anos 50 com a entrada da indústria automobilística no país. A cadeia produtiva da produção do automóvel tornou-se um dos elementos essenciais do modelo de desenvolvimento econômico. Ela representa hoje mais de 20% do PIB total do país, segundo o ministro da Fazenda.
Essa opção é muito complexa. É um capitalismo baseado na produção do automóvel, na matriz energética do petróleo e que tenta hoje se reconverter para a base do etanol e de combustíveis renováveis, mas que também têm enormes impactos. Por isso que, ao invés de dizer “ah, tudo foi interesse do capital” temos que ser um pouco mais precisos, pegando, por exemplo, o tema da mobilidade. Em nome da opção rodoviarista, se estrutura o território como um todo, as estradas e toda a logística do país e se estruturam as cidades. Isso tem um efeito, do ponto de vista do uso e ocupação do solo, fatal, porque a opção rodoviarista se combinou com uma outra, que foi a opção, também política, de histórica exclusão do tema da moradia e do acesso à moradia como pauta fundamental de uma política social ou de um suposto Estado de bem-estar social. E desde a primeira determinação do salário mínimo nesse país – nós estamos falando exatamente desse modelo de transição, nos anos 30 – o custo da moradia foi expulso de qualquer tipo de cálculo do salário, e ele passou a ser absorvido – esse é o verdadeiro modelo brasileiro de política habitacional – pelo próprio trabalhador, por meio da autoconstrução, da auto-produção da sua casa e do seu bairro.
Isso combina perfeitamente com a opção rodoviarista porque você tinha cidades estruturadas em torno do trem e do bonde e a habitação operária naquele período, habitação popular, habitação dos pobres é predominantemente de aluguel numa casa completa ou num cômodo de cortiço num padrão de altíssima densidade. O próprio trem ou o bonde define, pela própria natureza do tipo de modal, uma densidade muito grande porque você não pode usar distâncias muito longas do lugar onde está o trilho e as estações.
A cidade de São Paulo, por exemplo, nos anos 30, tinha uma densidade de 100 habitantes por hectare (uma quadra), bastante alta. Era todo mundo ali pertinho, tudo junto das linhas de trem e de bonde. Quando a cidade parte para o circular, e tem toda a história do plano de avenidas do Prestes Maia, que quis se contrapor a um projeto da Light de construir metrô e continuar com o sistema sobre trilhos, é o momento que se decide “vamos sair dos trilhos, vamos para rodovias”. Decide-se isso localmente, em São Paulo e em outras cidades, e o sistema ferroviário foi decaindo de lá pra cá.
Nesse momento, a cidade, com o ônibus e o carro, parte para a expansão horizontal ilimitada, com a constituição de loteamentos na periferia. Então se loteia sem nenhuma infraestrutura, e o trabalhador, a população de menor renda, compra o terreno barato e constrói a sua própria casa e é assim que nós erguemos nossas cidades.
Junto com isso, a política urbana, o que fez? Regulou (por meio da legislação, do planejamento urbano) as partes consolidadas da cidade, aptas para urbanizar, reservando-as para mercados de alta renda, fazendo com que essas áreas pudessem ser usadas intensamente para empreendimentos imobiliários de média e alta renda e a produção de moradia da maioria passou a ser a esfera da não regulação, do não planejamento. Então o efeito disso é o que temos hoje, um modelo excludente, que jogou a habitação para a informalidade, para a precariedade, para a autoprodução e aí, essa questão da “regularidade” também se torna uma coisa nebulosa nessa história. O que é irregular, o que é regular?
Uma parte dessa produção de moradia é ocupação de terrenos de outros, públicos ou privados, e a pessoa só vai lá, ocupa e constrói. Uma parte é isso, mas outra parte é o loteamento irregular. É uma terra privada que se recorta, mas não deixa área pra nada, não coloca escola, infraestrutura, então o loteamento é irregular, clandestino. Às vezes, olhando na paisagem você não consegue diferenciar o que é favela, o que é loteamento irregular, porque a marca da precariedade urbanística está presente nos dois. E aí entra o terceiro elemento nessa história, que é o político – essa é a história da ambigüidade – como são espaços autoproduzidos, irregulares, não obedeceram às normas, então não se colocar infraestrutura, não se pode investir. Mas lembre-se que a pessoa vota, e aí pode-se aceitar excepcionalmente investir ali com infraestrutura, consolidando um modelo político extremamente perverso na nossa democracia e que está presente até hoje. Mantém-se um padrão excludente, o povo vai lá e auto-constrói, o poder público negocia comunidade a comunidade, loteamento a loteamento, bairro a bairro, as intervenções no sentido de ir integrando o local à cidade. Mas nunca de uma vez, sempre a conta-gotas, de modo que isso renda quatro, cinco, seis eleições, que é mais ou menos o tempo que um bairro demora para se consolidar, porque tudo isso é visto como um favor, uma concessão do governante porque em princípio é ilegal. Então é fantástico esse sistema que mantém concentrado o poder e a renda na cidade e reserva, ao mesmo tempo, uma base popular que vota, que o sustenta.

Fórum – Cidades com essa complexidade de problemas, estruturadas a partir da lógica do automóvel, com ocupações irregulares, muitas delas em áreas ambientalmente necessárias que fossem preservadas como mananciais, encostas, têm solução?

Raquel Rolnik – Vamos por partes, a primeira questão é a seguinte: temos um enorme passivo socioambiental, não é por acaso que a maior parte das áreas mais frágeis do ponto de vista do meio ambiente estão teoricamente protegidas e são vetadas a ocupação e a urbanização. Se não estão vetadas, se define um modelo de ocupação de baixa de densidade, com pouca gente, quase não mexendo. Ora, modelo de baixa densidade com gente não mexendo é modelo de alta renda porque pobre compra um terreno e mora com muitas pessoas junto. É um modelo de lote mínimo de mil, cinco mil metros quadrados, só para o mercado de média e alta renda.
Desde 1965 o Código Florestal já diz que não pode ocupar nada na beira do rio, tem que se preservar uma faixa. Rio, lago, lagoa etc., não pode ocupar encosta com mais de 40% de declividade, não pode ocupar topo de morro, tudo está no Código Florestal de 1965. Quanto aos mananciais, há legislações estaduais e outras locais para proteger recarga de aqüíferos, represa etc. A legislação fez isso desde os anos 60 e mais intensamente nos anos 80 e 90, quando houve um avanço no ambientalismo e nessa questão. Entretanto, a pergunta que não quer calar é: muito bem, não pode ocupar aqui, onde pode ocupar? Onde é que os pobres vão morar, onde a classe média baixa vai morar? Em que padrão, em que terra, em que local? E como vamos garantir que esses locais sejam destinados para a construção de moradia popular?
Em todos os países do capitalismo civilizado do planeta – porque tem lugar que já passou por um processo de capitalismo civilizatório, que não é o caso do Brasil – você inclui como pauta fundamental do planejamento uma reserva de solo para moradia popular. É uma reserva de solo como parte do próprio processo de desenvolvimento imobiliário privado, como uma obrigação, do mesmo jeito que aqui, quando você loteia, é obrigado a deixar uma praça, um local para a escola, no mundo civilizado, quando você loteia, obriga-se a deixar uma parte da terra para produção de moradia popular. Porque se a melhor terra, as áreas aptas para urbanizar, não puderem conter a população de menor renda, ela vai para as áreas que são proibidas para o mercado formal ou que são muito restritas e e esses locais, como os mananciais, perdem o interesse para o mercado.
O problema é que a gente tem sinais contraditórios na nossa política e os sinais mais fortes nunca são os de preservação. Veja a situação de São Paulo, a área de proteção aos mananciais, na zona Sul. Define-se que ali é uma área de proteção mas cria-se uma zona industrial, das principais da cidade exatamente ali, na zona Sul. E tudo que fica acima da zona industrial está zoneado, legislado para um padrão de produção de classe média alta, verticalizado. Bairro destinado para verticalização é bairro para a classe média. Produção vertical popular não dá, porque é caro. Então não pode pobre, mas tem que ter trabalhador morando ali perto daquelas fábricas, são as oportunidades econômicas que a cidade oferece, são reais. O povo não é bobo, vai morar no lugar onde estão as oportunidades e essas oportunidades se traduzem em emprego, em escola, em hospital, em acesso à cultura; é estar em um lugar cosmopolita, e as pessoas migram porque estão interessadas nessas oportunidades de desenvolvimento humano.
Há esse problema da concentração de oportunidades em poucos pontos do território. Quanto mais distribuídas essas oportunidades, menos tudo vai estar concentrado em um lugar só. Então tem a ver, sim, com uma política de desenvolvimento de oportunidades e acho que isso é uma coisa interessante da ação mais recente no Brasil e no governo Lula, que teve uma política muito forte para tentar descentralizar oportunidades econômicas nos territórios. Isso é muito bom, aumentam as opções – posso ir para Petrolina, posso vir para cá, posso ir para a cidade ao lado ou até ficar na minha cidade, porque também tenho mais oportunidades. Tudo isso é muito importante para não condenar todo mundo a ter que migrar para poucos lugares. Agora, vai me dizer que não cabe a população que está em São Paulo ou no Rio de Janeiro? Claro que cabe. Mas você tem que ter uma política urbana includente. E quando se faz uma política includente, diminui o lucro de determinados setores econômicos que vivem dessa política excludente.

Fórum – O que obviamente não interessa a muito setores…

Raquel Rolnik – Dá pra reverter todo esse passivo de ocupações irregulares? Claro que dá. Porque estamos falando de uma situação, por exemplo, de São Paulo, que é a cidade mais importante da América do Sul, tem mais dinheiro do que em qualquer outra cidade. O problema é onde a gente vai investir, em que direção. Precisa remover toda a população quando você vai trabalhar com esse passivo?

Fórum – E existem alguns projetos de remoção aqui em São Paulo, como um grandioso nos bairros-cota de Cubatão.

Raquel Rolnik – Precisa intervir nessa situação? Sim. Tem duas maneiras de intervir: urbanizar e consolidar ou remover. Em qualquer circunstância, o direito à moradia tem que ser respeitado. Isso significa que é uma decisão custo-benefício. Às vezes a consolidação é mais cara do que a remoção e o produto da consolidação pode ficar não tão bom. São decisões caso a caso, situação a situação. Mas o que eu acho absolutamente chocante é que se fala em remoção mas onde estão os novos locais urbanizados, adequados, bem localizados, para que essa população que vai ser removida vá se mudar? Essa que é a questão.
No caso do Jardim Pantanal, no Jardim Romano, na zona Leste de São Paulo, que ficou em evidência em função das enchentes a ideia é remover essa população e aí tem o projeto do Parque da Várzea do Tietê. Mas onde está o projeto dos novos bairros para onde essa população vai? Cadê? Já foi licitado? Não tem nem projeto, não tem nem projeto… Quer dizer, remove primeiro e “depois” vai resolver. “Depois” é nunca! Então entendo perfeitamente a posição dos moradores do Jardim Romano que não estão querendo sair, porque primeiro é preciso construir o bairro novo, perto, não no quinto dos infernos. As pessoas têm direitos constituídos naquele lugar e o reconhecimento do direito de posse está lá também, está tudo definido e legislado, mas não se aplica. Porque se for levar até as últimas conseqüências, remover essas famílias das várzeas, quero saber se nós vamos remover tudo que está em várzea, o Alto de Pinheiros…

Fórum – Um bairro de classe média alta.

Raquel Rolnik – Essa região está inteira na Várzea do Pinheiros. Eu quero saber se nós vamos interromper a operação urbana Barra Funda, que está removendo favelas para adensar a Barra Funda no último pedaço não ocupado urbano da Várzea do Tietê na cidade de São Paulo. Estamos falando de fazer um parque, tirar a população da várzea, no mesmo momento em que o governo estadual anuncia um alargamento da pista da marginal do Tietê, repetindo o mesmo modelo, fazendo com que a atratividade daquele lugar seja cada vez maior, ou seja, promovendo uma ocupação da várzea.
Mesma coisa o Rodoanel. A Dersa está removendo famílias em Mauá, no Jardim Oratório, famílias que estão ali há 40 anos na luta pela consolidação – trabalhei com aquelas famílias quando era estudante na Faculdade de Arquitetura, é uma área regularizada e estão sendo removidos, e nem tem um plano para onde essas famílias vão. Então como é que é feito? Dão um cheque. Quando questionei, seu presidente falou “como eles não são donos da terra, a gente só tem que pagar a benfeitoria, não tem que pagar desapropriação, não”. Então dá 3 mil, 5 mil, 8 mil, 10 mil, 15 mil reais pra família que está lá há 40 anos, já tem neto nascido lá, já tem a vida inteira constituída lá, tem escola… Ali na zona Leste de São Paulo tem um CEU, que é simplesmente o melhor equipamento educacional da cidade.
Mais do que vamos remover ou não, que acho que é uma discussão pertinente que tem que ser feita, caso a caso, é como vamos respeitar o direito à moradia, com remoção ou não. Porque às vezes em projetos você necessita remoções, mas mesmo assim esses direitos têm que ser respeitados e não é o que tem sido feito. Isso é o passivo que nós temos na área habitacional. Se não enfrentarmos a máquina de exclusão territorial, vamos passar o resto da vida enxugando gelo.

Fórum – Nas últimas décadas, com o fortalecimento dos movimentos de moradia popular, a emenda popular da reforma urbana, o Estatuto das Cidades, não foram abertas possibilidades para começar a enfrentar todo esse passivo a que a senhora se refere?

Raquel Rolnik – A resposta é mais complexa que isso porque se fizermos um balanço do que se avançou a partir da emenda popular da reforma urbana, de toda a organização do movimento de reforma urbana, dos movimentos de moradia em relação à questão desse modelo de desenvolvimento, vamos perceber que tem coisas que avançaram e que são bastante importantes. Por exemplo, nas décadas de 60, 70, ninguém falava em urbanizar favela, em integrar, regularizar, só se falava em remoção. A política era remoção e ponto, nada mais. Então acho que a ideia do direito à regularização, de que as ocupações mesmo de posseiros merecem ser consolidadas, é algo que começou a fazer parte das políticas públicas e hoje existem muitas políticas de urbanização de favelas, locais, e o PAC das favelas nacional não teria existido, assim como a regularização fundiária nacional se não fosse toda a pressão desse movimento também. A pauta da necessidade de subsídios para produção de moradia, a ideia de que você tem que ter recurso governamental a fundo perdido para produzir moradia, que está presente hoje na política habitacional no governo federal, também vem dessa luta e conseguiu se colocar na agenda.
O que é mais difícil e aquilo que é um dos enormes desafios para que a gente possa realmente ter uma reforma urbana no país? É conseguir implementar o princípio, que está na Constituição, que é fruto dessa pressão dos movimentos populares, de que o solo urbano tem uma função social e que esta é inerente à própria existência da propriedade, e não a sua negação. E implementar os instrumentos que a Constituição e depois o Estatuto das Cidades disponibilizaram para que o planejamento urbano possa incidir sobre o mercado de terras. Instrumentos como, por exemplo, parcelamento compulsório em áreas subutilizadas, IPTU progressivo sobre imóvel vazio, estabelecimento de instrumentos de captação de mais-valias imobiliárias que dirigissem recursos a um fundo público… Esses instrumentos, embora eles tenham entrado nos planos diretores dos municípios, não são implementados e com isso temos um enorme estoque de imóveis vazios e/ou subutilizados em áreas aptas, boas para urbanizar.
E por que esses instrumentos não foram implementados? Porque há uma reação contrária a qualquer restrição a lucro e ganho imobiliário.E aí volto para a questão colocada no início, nós construímos uma maldita equação política já estruturada em torno do modelo da cidade excludente, porque não deixar construir na irregularidade e na ilegalidade e depois transacionar com isso se rende dividendos políticos. E por outro lado, a coalizão que produz a cidade formal e regular, empresarial, é uma coalizão entre Estado e setor privado e é muito importante hoje do ponto de vista da classe política, sobretudo para o financiamento das campanhas. Os maiores e mais importantes financiadores de campanhas políticas nas cidades são empreiteiras de obras públicas, é o setor de produção – empreiteiras de produção de viários, de infraestrutura etc -, e os prestadores de serviços públicos do tipo coleta de lixo, aterro, concessionários do transporte coletivo e os promotores, incorporadores e loteadores.

Fórum – Quer dizer, financiamento público de campanha seria importante também para o ordenamento das cidades…

Raquel Rolnik – Reforma política. Não se pode resolver o ordenamento da cidade sem reforma política. Há o financiamento de campanha de um lado, que vem desse setor e dessa matriz; de outro lado, o voto popular, que vem da distribuição de benefícios, benesses e favores, já que se constitui um espaço ambíguo em relação ao direito. A combinação dessas duas coisas, a totalidade do sistema partidário brasileiro. É uma equação maldita e ela se soma a um terceiro fator, a necessidade de uma reforma tributária.
Também no Brasil não existiu uma reforma do Estado na área de desenvolvimento urbano, como a que ocorreu na área da saúde, da educação. Podem fazer todas as críticas possíveis ao SUS, mas no processo de democratização brasileira foi constituído um sistema de saúde onde o município, o estado e a União têm um papel, onde a sociedade civil tem um controle, onde se busca a universalidade do atendimento, e há um processo de transferência obrigatória, fundo a fundo, per capita, baseado na necessidade. Mesmo com tudo que tem que se aperfeiçoar, é um sistema público pelo menos estruturado, que atravessou gestões. Na área de desenvolvimento urbano, o modelo é exatamente igual ao período autoritário, com financiamento baseado no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que agora finalmente se colocou subsídio atrelado para fazer com que chegue mais perto de quem não tem. Isso é a grande mudança, mas o dinheiro está concentrado ali num banco, hoje, a Caixa Econômica Federal (passamos do BNH para a Caixa). Os recursos para investimento estão setorializados: saneamento, habitação, transporte, e nada na mão do município, nada.
Os municípios não têm recurso para produzir, para fazer urbanização. Dependem de transferência ou da União, principalmente, ou do Estado. Essas transferências são voluntárias, quer dizer, 100% intermediadas politicamente. Este é o critério. É diferente de transferência fundo a fundo, per capita, com controle. Isso quer dizer o seguinte: não tem raio de planejamento que se sustente, porque se você faz um plano que diz “eu vou investir em tal área, para evitar ocupação de mananciais, vou criar essa área, vou urbanizar, vou pegar dinheiro do subsídio para habitação popular e vou colocar nela”não tem dinheiro. Para fazer isso vai ter que conseguir dinheiro de emenda parlamentar ou de programa do governo federal via edital: “tem um edital para quadras no Ministério do Esporte”, todo mundo corre atrás. Com muita sorte, se o edital for lícito, ninguém fizer nenhuma maracutaia, consigo o dinheiro da quadra, mas o que adianta a quadra? Eu não precisava só da quadra, precisava da quadra, da escola, do saneamento. “Ah, mas não temos edital para escola no momento…” Não, isso não existe.

Fórum – A reforma urbana aconteceria, como foi sinalizado quando o presidente Lula assumiu o governo, a partir da criação do Ministério das Cidades, mas houve problemas. O que aconteceu?

Raquel Rolnik – A ideia ao criar o Ministério era criar também uma política nacional de desenvolvimento urbano com critérios, estratégias, um sistema nacional que fosse capaz de implementar essa política e esse foi todo o impulso original, com a liderança do Olívio Dutra e da Ermínia Maricato. Eu também fui convidada para compor o Ministério, fui secretária de Programas Urbanos, a minha área era justamente política urbana, territorial, fundiária, planejamento urbano. A ideia era trilhar esse caminho, ao invés de ficar meia dúzia de técnicos imaginando isso lá em Brasília sentados, trabalhar através de um processo amplo, de construção dessa política com municípios e estados, com a sociedade civil e com todos os segmentos que compõem o desenvolvimento urbano, tanto os empreiteiros quanto os incorporadores, os engenheiros, os arquitetos e os técnicos, os movimentos por moradia. Foi a partir daí que, desde o primeiro ano, se lançou o processo de conferências para se discutir e se elaborar políticas, elegendo um conselho para pensar isso e trabalhar.
Entretanto, essa trajetória foi interrompida no momento em que Olívio Dutra foi substituído e a secretária executiva Ermínia Maricato pediu demissão e saiu. Entrou um ministro [Márcio Fortes] indicado pela base aliada, na época pelo Severino Cavalcanti (PP). Isso se deu depois da eleição da Câmara, quando o Severino se tornou presidente, no auge da crise do mensalão, quando claramente ele ameaçava o presidente com a possibilidade de aceitar processos de impeachment. Ali, ou o presidente Lula constituía uma base aliada dentro do Congresso ou ficava seriamente ameaçado porque a campanha do mensalão e tudo aquilo que estava gerando a partir dali estava sendo amplamente utilizado contra o governo Lula para derrubá-lo.
Essa opção – e não sei se foi opção ou uma falta de opção, não tenho a menor condição de julgar do ponto de vista político – foi um dos preços que tivemos que pagar para que o governo pudesse continuar, mas infelizmente esse preço significou a interrupção de uma trajetória no Ministério das Cidades e a consolidação de uma prática do ministério ser uma espécie de gestor de distribuição de recursos, inclusive usando todo o seu potencial político.
Entretanto, continuam existindo as conferências, os conselhos, mas descarnados de qualquer poder ou capacidade de influência. O processo decisório de construção da política não passa por ali, não passa pelas conferências, o conselho apesar disso trabalhou, lutou para intervir, conseguiu aprovar o sistema nacional de habitação de interesse social. Daí sai um programa como o Minha casa, minha vida, não tem nada a ver com o sistema nacional de habitação de interesse social. Nada. É um recurso para produção de moradia num modelo totalmente fora, embora estivesse começando a ser implantado uma política habitacional de longo prazo para a habitação. A política estava pronta e ela não foi sequer levada em consideração no momento em que se faz o Minha casa, minha vida, que tem uma outra origem: medida antirecessão, contra crise econômica, que vem do Ministério da Fazenda como uma ideia de dinamização da economia, do setor privado, e não da trajetória que vinha sendo construída.
Tem uma frase que eu adoro, de uma colega minha, professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Alagoas, a Regina Bentes. Ela diz o seguinte: você está ali no interior de Alagoas, chega numa venda e pergunta “tem caneta Bic?” e a menina responde “tem… mas tá faltando…”. O que vemos no Ministério das Cidades é o “tem… mas tá faltando…”. Existe o Ministério, o Estatuto, as conferências, os conselhos, o sistema de Habitação Social? Tem tudo, mas não tem. Porque a verdadeira grana, o poder, não passa por ali, passa por outro caminho. Claro que não dá pra dizer que a trajetória da reforma urbana acabou no dia que o Ministério das Cidades mudou de comando. Não é verdade, ela continua nas lutas locais, continua internamente ali, agora o mainstream da política urbana do governo Lula não foi a reforma urbana. Isso quer dizer que o governo não incorporou coisas importantes da pauta da agenda da reforma urbana? Incorporou sim. Isso quer dizer que o governo Lula foi um governo medíocre em relação a política urbana? Nunca. Não havia investimento em urbanização e saneamento ambiental há anos e foi feito um investimento grande, importante, para urbanizar favelas, não havia nada disso… Enfim, acho que tem avanços ali, agora, tem limites. Outros ministérios avançaram muito mais. Acho que isso faz parte da característica do próprio governo Lula.

Fórum – E esses limites podem ser estendidos em um outro futuro governo, por exemplo, ou seria necessária essa reforma política?

Raquel Rolnik – Não estou vendo possibilidades disso hoje em nenhuma das candidaturas colocadas sobre a mesa, na candidatura Serra, Dilma ou Marina, um compromisso visceral com a reforma política e com uma reforma tributária que permita aos municípios serem mais autônomos do ponto de vista financeiro. Talvez ao longo do processo da campanha e da crise urbana isso possa aparecer. Em relação à questão do modelo de circulação e transporte, certamente o tema será pautado pela candidatura da Marina; o Serra, como governador já teve oportunidade de mostrar na prática uma opção radical por um novo modelo e, embora o governo esteja investindo no transporte sobre trilhos, aumentando metrô, acelerando a modernização da CPTM e a integração desse sistema, dá sinais contraditórios: vai uma no cravo outra na ferradura. Faz uma obra como o Rodoanel, que é o contrário disso, a ampliação da marginal do Tietê, continua colocando mais dinheiro na opção rodoviarista. Com ele na presidência duvido que a mudança modal fundamental possa acontecer, que é um dos elementos importantes da política urbana.
Mas, falo de novo: isso, diante da crise que nós estamos vivendo, pode mudar durante a campanha – dependendo do quanto o tema entrar na pauta e na agenda – e isso a candidatura da Marina poderá fazer – poderá ser incorporado por exemplo pela Dilma. Reforma Urbana? Quem sabe num futuro governo, talvez eventualmente um novo governo Lula depois que passar o próximo, poderia avançar no sentido de um compromisso mais intenso nesta direção… Mas para tanto a gente tem que ter um movimento da sociedade muito claro nessa direção. E isto depende da posição das novas gerações que vem por aí.

Fórum – Falando em Bogotá, há elementos que podem ser reproduzidos nas cidades daqui?

Raquel Rolnik – Não gosto desse negócio de “Miss Urbanismo”, antes era Curitiba, agora é Bogotá, Portland… Acho que começar a falar de exemplos e modelos é desconhecer a complexidade que são as cidades. As cidades são legais justamente porque elas são super complexas e porque cada uma é uma, o tecido econômico, político, sociocultural, territorial de cada uma é totalmente distinto, a história é distinta, a política é distinta E quando se conta o milagre não se conta o santo do milagre, né? É essa a questão. O que não quer dizer que não existam políticas interessantes do ponto de vista técnico que podem e devem ser replicadas, experimentadas, mas nenhuma cidade é bem sucedida por completo. E não se conta, por exemplo, em Bogotá, que fez uma intervenção urbanística muito importante dando prioridade para o transporte coletivo e para o pedestre, algo incrível: quando visitei a cidade, vi que a urbanização da periferia começa primeiro fazendo a calçada com árvore, arborizada, iluminada, linda, ciclovia na calçada, equipamentos públicos, escola, biblioteca, etc. e só depois pavimentava a via. Pavimentação é 50% do custo total de uma urbanização. Ninguém fala, né? As coisas que realmente a gente precisa, calçada, escola, praça, árvore, custam menos que a pavimentação. Quem precisa de pavimentação é o carro, a maior parte do povo não precisa.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da revista Fórum 82. Nas bancas.
EcoDebate, 17/02/2010

Entrevista Raquel Rolnik
Por Carlos Rizzo, Glauco Faria e Renato Rovai, Revista Fórum

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Rage against the regime: Egito e o nosso Senado.

Egito. Esse é um dos  grandes temas do momento. Não tem como não se sensibilizar com o que anda acontecendo por lá. Que bom que uma mídia alternativa existe e consegue trocar informações de diferentes partes do mundo divulgando uma visão mais real dos fatos. Agora você ao menos entende que tem pelo menos dois lados num determinado evento. Antes, era o poder aliado a algum poderoso, geralmente aos americanos, de um lado, e uns arruaceiros que decidiram quebrar tudo na rua sem motivo algum do outro. Passamos anos tendo que ouvir e ver essas asneiras na TV. Formas ideológicas de retratar as relações internacionais. Técnica semelhante era usada para as questões nacionais, claro.

Com a difusão de uma rede de pessoas comprometidas com outras versões, o acesso a informação melhorou muito. Mas no caso do Egito senti que ainda falta informação com mais análise. Claro que a preocupação é mostrar os fatos ali, no dia-a-dia, as pessoas tomando as ruas, a reação do governo, dos militares, as declarações de todos os lados. Mas eu queria mais. Então você passa a ser bombardeada com links de jornais de todos os lugares, com comentários de todos os tipos. A partir daí você começa a formar uma opinião do que acontece. A informação não vem mastigada e pronta, a luta do bem contra o mal, com ceninhas criadas. A questão é bem mais complexa. Envolve uma série de fatores.

Coisas que chamaram atenção:
1- Passamos anos sem ouvir falar do Egito, tirando as pirâmides, principalmente naqueles filmes boçais tipo sessão da tarde, já preparando uma imagem de que os árabes eram os vilões da parada.
2- Imagens impressionantes de povo na rua por vários dias. Continuam nas ruas.  Emocionante.

3- Cenas deprimentes de gente armada partindo para cima da população em manifestações legitimas.
4- É uma ditadura de 30 anos.
4- Depois de Israel, o Egito é o país que mais recebe dinheiro dos EUA, dinheiro usado para compra de armas.
5- O povo pede democracia e os americanos apóiam uma ditadura. Cuba é crucifica por ser ditadura e sofre com o maldito bloqueio.
6- A preocupação dos donos do poder com o Canal de Suez e com os impactos na bolsa de valores.
7- No Brasil, o silêncio do Ministro das Relações Exteriores a e saudade do Amorim.
8. Sobre a oposição no Egito http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17353

Charge de Carlos Latuff


O que virá agora?  O que pode o poder popular? Quem tomaria o poder com a saída de Mubarak?

Enquanto isso vamos esperar a inspiração “Que Mara, Mara, maravilha ê, Egito, Egito Ê” baixar nos brasileiros. Sarney pela frente novamente. Reeleito presidente do Senado. 70 votos contra 8, apoiado por Dilma. Ai...