quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

David Harvey no IFCS/UFRJ Rio de Janeiro


Anotei umas ideias num papelzinho durante a palestra e vou passar para cá antes que eu perca... 
Não deu para ouvir muita coisa no início, o local definitivamente não foi o melhor para receber esse grande pensador. Estava cheio toda vida. Fiquei tentando ouvir do lado de fora. E valeu a pena. Sempre vale. Ah, e era lançamento (?) do livro O enigma do capital, que eu ainda não li, mas está na fila. 

Sua apresentação girou em torno da relação entre urbanização e crises do capitalismo e como as crises do setor de habitação estão associadas às crises financeiras. Como exemplo, citou a estratégia americana para sair da crise(1929) que, entre 1945 e 1973, apostou na suburbanização(e hoje traz sérias conseqüências para o “meio ambiente”), investindo nas cidades. Afirmou que algo semelhante vem ocorrendo na China. Sua estratégia anti-crise tem sido do tipo keynesiana, fazendo parte de um grupo de países que se diferencia dos que seguiram políticas anti-crise mais austeras.

Sobre a relação crise-urbanização, Harvey retoma mais uma vez a crise de 1929, já que ela também foi antecedida por um boom imobiliário e um colapso do mercado de propriedades então a sucedeu. Ou seja, o sistema capitalista demanda uma constante urbanização, reurbanização e novas configurações urbanas. 

E os capitalistas estão no controle da urbanização, via gentrificação, projetos de urbanização, da presença dos grandes eventos, na construção de estádios e etc. Repetidamente, ele nos lembra que a Grécia passou recentemente pela aparente euforia de um mega evento e hoje amarga numa crise sem fim, não pela preguiça de seu povo, mas por opções políticas passadas. 

Destacou a importância dos estudos sobre as resistências associadas a esses processos e sugeriu que a luta de classes passa agora também por esses movimentos e que não devemos mais nos focar somente nos estudos clássicos via proletariado (capital-trabalho). A cidade vira um espaço central de luta de classes e as populações urbanas, importantes agentes de mudanças. Os exemplos são muitos, desde a Comuna de Paris, até maio de 1968 e mais recentemente Cairo, Síria e o movimento Occupy Wall Street. Sobre esse último, sua importância se dá pela visibilidade que foi conquistada em relação a quem pertence o espaço público. Para Harvey, o movimento Occupy Wall Street deixou claro que esse espaço público é controlado pelo Estado em favor do capital. 

Como, questiona ele, organizamos nossas cidades ou nos organizamos a partir dela? Fez uma discussão sobre as fraquezas do movimento, principalmente em relação a prática política da horizontalidade. Para Harvey, esse movimento político se perde quando não permite alguma forma de verticalidade. E por fim, para falar sobre a relação da urbanização com o campo, retoma Henri Lefebvre (Revolução Urbana) para lembrar-nos que o direito à cidade é o direito à urbanização, não importa aonde.

Infelizmente, meu tema do momento, a segregação urbana, foi solenemente ignorado na seção de perguntas. Peninha... 
 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

E o Estado não diminuiu ou como Sérgio Cabral faz para acabar com o ensino público de qualidade

Durante anos foi assim.
O despertador toca e Rosa se levanta algumas horas antes de pegar no trabalho, já que o transporte é ruim. Ele demora para passar, as vezes não passa, vem  cheio e fica sempre mais caro, numa  velocidade bem maior que o aumento do seu salário. Chega no trabalho, o sinal toca e vem gente por todos os lados. Como num passe de mágica, tudo parece estar no seu devido lugar. Salas cheias, professores nos seus postos e o dia continua. À tarde a mesma rotina e, as vezes, à noite também. E é assim com seus pares. Uma vida bem parecida.

Tudo igual, mas diferente. Alguns anos, diferente até de mais, mas no fundo, igual a todos os outros. Só que nesse ano aconteceu com ela. Nos anteriores, com os outros. Nos próximos, quem saberá?
No primeiro dia de trabalho daquele ano, fez como sempre. Acordou e saiu, manhã e tarde num trabalho, a noite em outro.  Ao chegar no da noite, recebeu a notícia de que não havia mais alunos suficientes matriculados na escola e que muitos professores, por serem da rede pública, seriam devolvidos para a secretaria (SEEDUC), para que uma escola sem professor pudesse então recebê-los. Até aí, fez todo o sentido. Não há necessidade de manter muitos professores em escolas com poucos alunos.

Rosa, preocupada com a garantia do seu sustento logo se preocupou. Como outros, que estavam na mesma situação, quis saber o que faria dali para frente. Sabia que algo não estava certo. Não precisou muito tempo para entender que a realidade a sua frente escondia algo. Primeiro, se estamos em um país com um número elevadíssimo de analfabetos e/ou pessoas com escolaridade incompleta, então como é que as escolas estavam fechando? Segundo, a escola onde trabalha tem uma população de mais de 140 mil moradores, sem contar com os que lá trabalham. São muitas escolas, ela sabe, mas as outras escolas também estavam reduzindo turmas e devolvendo seus professores, alguns trabalhavam no mesmo lugar a mais de 5 anos. Só que na mesma semana que ela  e os outros antigos funcionários, que demoraram anos para incorporar ao seu salário algumas migalhas que esse trabalho tem como plano de carreiras, foram devolvidos, uma leva de novos concursados foi convocada. Se já com anos de rede o salário é precário, imaginem quando você entra. E esses novos concursados escolheram suas escolas quando entraram. O passe de mágica começou a ser desvendado. Os antigos, alguns próximos da aposentadoria, outros no meio do caminho como ela, representam um custo maior para o Estado, enquanto os novos, bem menos. O lugar dos mais novos foi garantido primeiro, ferindo uma tradição de que os mais antigos têm prioridade na escolha da escola, em casos como esse. A sensação que Rosa tinha é que tudo a empurrava para pedir exoneração.

E o Estado não sumiu. Pelo contrário, ao longo dos últimos anos, investiu bem mais em instrumentos de controle e de gestão desse controle do que em Educação e em seus profissionais. A greve do ano passado mostrou a insatisfação de Ana e outros em relação à política da Secretaria Estadual de Educação. Assembleias lotadas revelavam a farsa de projetos feitos por gente que pensa em números, não em cidadãos, que querem diminuir custos e não investir em Educação, que priorizam empresas conhecidas e não uma agenda de mudanças reais em um Estado onde o ensino é reconhecido por todos como decadente, apesar de todo o esforço feito dentro das escolas. Esse ano, Rosa viu o Estado se apoderar totalmente das escolas. Elas perderam sua autonomia. Tudo vem de cima, controlado por sistemas de informação totalmente burocráticos e frios.

Falando em autonomia, Rosa, que perdeu suas turmas, foi convidada para participar do Projeto Autonomia (engraçado esse nome, é uma parceria com a FUNDAÇAO ROBERTO MARINHO- sim, foi isso mesmo que você leu!) que foi implementado nas escolas. Ali tem vaga. Muitos aceitaram para não desistir do emprego, para evitar ter que trabalhar em várias escolas, em dias quebrados ou até para evitar a desistência.

Rosa voltou para casa com a sensação de que é um projeto sério de acabar com o ensino público. O que ela queria  era sentir algo bem diferente. Sabe que é urgente começar agora para colher os frutos em 20 anos.

Vai demorar, minha gente. Se continuar assim, sei não. Por agora, só temos um instrumento. Ana sentia falta da greve.