quinta-feira, 3 de março de 2011

Nosso Governo olha para o lucro e não para as pessoas

POR MARCELO FREIXO

Recebi dos moradores de Santa Cruz, que são vizinhos da Companhia Siderúrgica do Atlântico, o material que está aqui, recolhido por eles em suas casas durante bastante tempo. A ideia da cápsula, claro, foi do meu gabinete. Mas eles recolheram esse material aqui. Esse material é uma fuligem que sai de dentro do forno da Companhia Siderúrgica do Atlântico. Isso tem provocado uma série de doenças de pele, doenças nos olhos das pessoas, doenças respiratórias, enfim, uma série de problemas que a saúde pública que, aliás, teve o Hospital Pedro II que acabou de fechar, já não atendia, agora atende menos ainda.
Nesse sentido, trago aqui várias cápsulas com essa fuligem. Eu dividi democraticamente e quero dizer que vou entregar uma para cada Deputado que pertence à Comissão de Defesa do Meio Ambiente e à Comissão de Saúde. Eu aconselho inclusive aos Deputados da Comissão de Saúde e da Comissão de Defesa do Meio Ambiente que não abram, porque senão vão sofrer aquilo que a população de Santa Cruz está sofrendo. Provavelmente terão irritações nos olhos, na pele, problema respiratório... Não desejo isso a nenhum Deputado.
Mas também não desejo isso à população de Santa Cruz, que está convivendo com esse problema seriíssimo e com uma enorme irresponsabilidade. Não dos diretores da CSA, não dos donos do capital da Thyssen-Krupp, que é um capital alemão investido ali, mas do nosso Governo. Porque eu não posso responsabilizar o capital alemão pela qualidade de vida da população de Santa Cruz. Mas posso responsabilizar a Prefeitura, o Inea e o Governo do Estado que permitem que esse investimento aconteça.
Quero dizer que a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e o meu mandato vêm acompanhando sistematicamente esse debate sobre Santa Cruz, sobre a CSA e o capital da Thyssen-Krupp. Esse investimento alemão, que é o maior dos últimos anos na América Latina, não foi permitido na própria Alemanha. Na Alemanha a Thyssen-Krupp não conseguiu abrir a companhia siderúrgica que abriu no Rio de Janeiro. Tentaram no Chile, também não conseguiram. Tentaram em outros Estados do Brasil, não conseguiram. Conseguiram no Rio de Janeiro. É curioso por que no Rio de Janeiro foi tão mais fácil do que no país de origem desse investimento que é a Alemanha.
Eu digo a razão: porque o lucro, em alguns lugares, não está acima da vida. A responsabilidade social e a responsabilidade ambiental deveriam estar na frente do grande volume de dinheiro aplicado no Rio de Janeiro. E o poder público não pode olhar para os seus cofres e esquecer a vida das pessoas que estão nos arredores daquilo ali.
Quero dizer que centenas de pescadores artesanais que viviam da Baía de Sepetiba tiveram suas vidas inviabilizadas. Não podem mais viver da pesca artesanal. Denunciaram isso. Resultado dessa denúncia: o principal líder dos pescadores da Baía de Sepetiba, hoje, vive num programa de proteção às testemunhas porque foi ameaçado pela segurança do local, que tem ligações com a milícia local. Investigamos a milícia numa CPI feita nesta Casa e sabemos que naquela região a milícia é muito forte, como em toda a Zona Oeste. Sabemos – fizemos audiência pública nesta Casa e mostramos – que o chefe da segurança da CSA tinha vínculos com a milícia e ameaçava qualquer um que se colocava contrário aos interesses poderosos e econômicos da Companhia Siderúrgica do Atlântico.
O nosso governo? Ele se calou. O nosso governo não fez cumprir a lei, o nosso governo não se posicionou favorável à dignidade da pessoa humana. Olhou para o lucro, olhou para os investimentos, olhou para o cofre público mas não para as pessoas, não para a sua responsabilidade.
Não é só nesta Casa que essas vozes começam a surgir. A Defensoria Pública fiscalizou e denunciou e está contrária a esse investimento e o Ministério Público fez uma ação brilhante. Eu, que muitas vezes sou crítico ao Ministério Público Estadual, no que diz respeito à CSA, reconheço que ele agiu bem, denunciou, inclusive, dois dos seus diretores, é aplicado, tem visitado aquele lugar.
A ThyssenKrupp foi questionada no Parlamento Europeu, afinal de contas, é um capital alemão. Se não pode fazer isso na Alemanha, por que vai fazer no Rio de Janeiro? Nós fizemos essa denúncia internacional. O que percebemos? Nós percebemos que no Parlamento Europeu eles fizeram um relatório das benfeitorias aplicadas pela CSA. Um ponto me chamou muito a atenção.
Detalhe: esse não é um relatório da Comissão de Direitos Humanos, não é um relatório do PSOL, é um relatório feito pela ThyssenKrupp, um relatório feito pela CSA, é um relatório deles. O relatório deles, apresentado no Parlamento Europeu, dizia que eles faziam muitos investimentos sociais, entre eles a reforma do prédio da Feema, hoje Inea.
O órgão que deveria fiscalizar a CSA consta no relatório da companhia como tendo tido seu prédio reformado pelo órgão que deveria ter sido fiscalizado. Eu não sei se estou ficando louco, se é o pó da CSA que está me deixando maluco, mas isso é, no mínimo, muito grave, muito suspeito. Como o prédio de um órgão fiscalizador é reformado pelo órgão fiscalizado, pela empresa fiscalizada? Isso é normal? Isso é normal? Quem é anormal sou eu? É a minha crítica? É falar contra um investimento tão poderoso? Por quê?
Deputado Sabino.
O SR. SABINO – Deputado Marcelo Freixo, é apenas para dizer o quanto são oportunos o seu pronunciamento, as suas palavras. Como membro da Comissão de Defesa do Meio Ambiente – não sou Presidente, sou membro da Comissão –, vou requerer ainda hoje que a Comissão de Defesa do Meio Ambiente se reúna para convocar aqui os representantes da CSA e dos órgãos ambientais para começarmos os esclarecimentos sobre este tema.  Parabéns!
MARCELO FREIXO
Agradeço. Muito oportuna a fala de V. Exa. Posso entregar os relatórios todos que nós temos já sobre a CSA, não vou entregar só o pó, não vou fazer essa maldade. Há algumas coisas importantes, Deputado Sabino, que faz essa importante proposta, a serem definidas agora.
A CSA teve o seu forno autorizado, o número 1, com a presença inclusive do Presidente Lula na sua inauguração. Houve tempos em que o Presidente Lula olhava mais para o operário do que para o lucro da empresa. Enfim, as coisas mudam, e está agora para ser autorizada a licença definitiva da Companhia Siderúrgica do Atlântico. Isso é um absurdo! Isso contraria os acordos feitos com o Ministério Público, contraria todas as indicações dos órgãos fiscalizadores.
A CSA precisa passar por uma auditoria externa independente. A CSA quer nos empurrar a ideia de que a Usiminas vai ser contratada para fazer essa vistoria independente. Não é independente! As relações entre a Usiminas e a Vale são profundas, são políticas. A Usiminas não tem condições de fazer essa avaliação independente na CSA. Isso contraria qualquer norma de vistoria ou de auditoria.
Nós precisamos, como Poder Legislativo independente, que tem função fiscalizadora sobre o Executivo, não permitir que a licença definitiva seja dada à CSA enquanto a vistoria externa não acontecer, enquanto a sua responsabilidade social e ambiental não for apurada; enquanto as pessoas não tiverem sua dignidade de volta.
Não é possível que toda pessoa pública no Rio de Janeiro tenha esquecido de que a vida e a dignidade humanas estão acima do lucro. É só isso.
Muito obrigado, Sr. Presidente, vou entregar os potinhos aos respectivos Deputados.
 http://www.marcelofreixo.com.br/site/noticias_do.php?codigo=175

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